PENA & LÁPIS


Ponderando a questão do Ontario Place e do Centro de Ciências

Por Idalina da Silva

Sol Português

A década de 1960 foi de grande importância para a arquitectura em Toronto sendo de assinalar, entre outros edifícios, a nova Câmara Municipal e prédio TD Center.

No espaço de 10 anos, a cidade adoptou um estilo de design moderno e não havia como voltar atrás. Quando eu cheguei a Toronto, estes dois edifícios eram os mais conhecidos e ambos eram ponto de referência para a arquitectura moderna.

Na década seguinte, anos `70, havia na cidade de Toronto duas atracções que se destacavam como marcos turísticos e que, no seu auge, eram visitadas por milhões de pessoas anualmente. Estou-me a referir ao Centro de Ciências do Ontário, inaugurado em 1969, e ao complexo à beira lago conhecido por Ontario Place.

Como presente para o povo do Ontário, para assinalar o centenário do Canadá como nação independente, em 1964 o governo provincial contratou o arquitecto canadiano Raymond Moriyama para dar forma ao Ontario Science Centre, um dos primeiros museus interactivos de ciência do mundo e detentor do prémio OAA Landmark Designation Award, atribuído após a sua inauguração, em 1969.

Dois anos depois foi inaugurada a Ontario Place Cinesphere, projecto confiado ao arquitecto nipo-canadiano Eberhard Zeidler e ao arquitecto paisagista Michael Hough, que imaginou em seu torno todo um amplo parque construido sobre ilhas artificiais que saem das margens do Lago Ontário.

A Cinesphere tornou-se no primeiro cinema IMAX permanente em todo o mundo e é actualmente a maior sala IMAX no Ontário, com sistemas de projecção IMAX 70mm e IMAX laser.

Eberhard Zeidler acreditava que a arquitectura era um palco da vida e que os edifícios e as cidades são os lugares mais importantes para as pessoas, portanto a vida deve ser expressa dentro deles. O seu trabalho representa um equilíbrio entre a forma prática e as necessidades emocionais e aspiracionais das pessoas que ocupam esses espaços, e não há dúvida que o Ontario Place foi concebido a pensar no futuro.

Em Agosto de 2022 foram anunciados planos para renovar o Ontario Place com um enorme parque aquático e um spa, entre outras atracções. Os projectos foram encaminhados à Assembleia Municipal no Outono passado e estão ainda actualmente a despertar preocupações com questões de equidade e de acessibilidade para os residentes do centro da cidade.

Mais recentemente, foi anunciada a mudança do Centro de Ciências para o Ontario Place, decisão que o primeiro-ministro do Ontário, Doug Ford, considera que irá criar um parque à beira-lago de "classe mundial", " última geração" e "espectacular".

Ainda assim, toda a retórica não consegue mascarar a sensação de que se trata de uma forma de distrair o público para não verem a situação no seu todo: trata-se do mesmo plano para a construção de um spa termal por uma empresa privada, uma abominação de aço e vidro proposta para a ilha oeste do Ontario Place e à qual muitas pessoas se opõem.

Entretanto, está prevista a construção de unidades habitacionais no local onde está actualmente instalado o Centro de Ciências, mas não foi anunciada a percentagem de habitações acessíveis nem se o novo conjunto habitacional irá invadir o parque natural que o cerca.

É também difícil avaliar a proposta para o novo Centro de Ciências do Ontário. Pelo que entendo, o local proposto terá metade do tamanho actual. Mais importante: quais os custos destas obras?

Será que já foi auscultada a opinião pública a respeito destes projectos? Os terrenos onde estas duas estrutures estão localizadas são públicos, o que significa que são de todos nós, cidadãos.

O Ontario Science Center é uma marca elegante. A ideia desta estrutura impressionante ser demolida é uma vergonha.

No caso do Ontario Place, como é que o governo provincial pretende prestar contas ao público pela destruição do património cultural?

Aquilo que tem sido uma atracção turística para celebrar o Ontário por meio de design, materiais, paisagismo e diversão passará agora a contar com a franquia de um spa austríaco e um espaço ampliado para a Live Nation, uma firma de entretenimento americana. O que é que estas empresas têm a ver com o Ontário? É triste que alguém possa pensar que não temos nada para comemorar.

Também não há necessidade de colocar todas as atracções no centro da cidade. A ideia de visitar o Centro de Ciências à beira do lago no mesmo dia em que a feira CNE está aberta, e em que uma equipa desportiva local está a jogar ao mesmo tempo em que há um concerto no Ontario Place parece-me ser uma experiência infernal.

Será que é o que nós queremos para a cidade de Toronto?


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