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Novo livro de Abel de Andrade Nunes dá "Uma volta ao mundo em dez contos"Obra fala de esperança num mundomarcado por grandes desigualdades Por Rómulo Ávila Sol Português
Abel de Andrade Nunes, professor, autor e investigador social, acaba de editar um novo livro. "Uma volta ao mundo em dez contos" assume-se como um retrato de explorados e exploradores, num mundo onde a esperança ainda reside. Sol Português falou com o autor para apurar um pouco mais sobre a nova obra e a visão de vida que o levou a compô-la.
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Sol Português (SP): Antes de irmos directamente ao seu novo livro, vamos primeiro ao autor. Fale-nos um pouco do seu percurso na escrita, que está intrinsecamente ligada às suas viagens. Abel de Andrades Nunes (AAN): É bem verdade. Sempre quis escrever histórias que dissessem respeito a temas de interesse, a temas que façam pensar o mundo de forma diferente. A minha escrita resulta, na sua grande parte, de um contacto directo com as pessoas de cada localidade que visito. Falam das suas condições de vida, dos seus salários, da sua pobreza e de castração de sonhos. Para mim, mais do que outras ficções, é interessante saber, em países pobres como a Guatemala, El Salvador, e Bolívia, quanto tempo é preciso trabalhar para comprar um litro de leite para as crianças ou quanto tempo é necessário trabalhar arduamente para realizar uma pequena festa familiar. O trabalho em certos países chega a ser tão duro para as mulheres que elas começam a laborar aos 15 anos e aos 35 já estão velhas. SP: São então relatos de experiências de vida, de viagens e de contextos históricos, políticos e económicos. AAN: Sem dúvida que sim. Viajar para mim tem de ser um exercício. Não pode ser um acto fútil, pois quem visita sítios no mundo e não percebe ou não tem consciência do chão que pisa e da qualidade de vida das pessoas, de nada serve andar pelo mundo. Deixe-me dizer-lhe que encontrei camponeses cujas culturas não podem chegar para pagar as rendas e por isso têm de pagar o resto com a sua mão-de-obra. Tudo isto feito com intenção por parte dos grandes latifundiários. Encontrei pais e mães que vendem as suas filhas. Não estou a dramatizar. Há horrores no mundo que ninguém faz ideia e poucos têm a coragem de denunciar. Encontrei, por esse mundo fora, culturas em que se cortam braços, narizes e orelhas a mando dos governos judiciais. Encontrei muita gente que quis ir um metro mais além na esperança de ter mais um ou dois quilos de arroz e acabaram ou mortos, ou sem uma perna ou um braço, pois as minas ainda estão enterradas no chão. Quero, através das minhas histórias, mostrar o mundo, na esperança de que ficando em livro alguém um dia possa reflectir sobre estes problemas e olhar à nossa volta de uma forma diferente; mais transparente talvez. SP: Podia tudo isto ter lhe passado ao lado, mas entendeu registar e colocar a nu. AAN: São dramas terríveis vividos por tanta gente, demasiado grandes para ficarem apenas na memória. A comunicação social comum, embora tente, não consegue retratar esta realidade e eu não podia ficar como se fosse ignorante perante atrocidades que vi, que toquei, que presenciei e que me foram relatadas. | ||||
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SP: Mergulhando na sua obra, "Uma volta ao mundo em dez contos", o que é que ela simboliza? AAN: Simboliza a vontade das pessoas, a vontade de muitos resistirem ao caminho que a vida lhe tentou dar. Sou português e na zonas das Beiras, onde me sinto bem, diz-se que "todos os que estão na mó de baixo querem de lá sair". E este livro conta isso. São linhas sobre pessoas que são oprimidas e não desistem, nunca desistem. Dedico grande parte do livro às mulheres que tentam tirar de cima de si o jugo [Nota: peça de madeira colocada sobre a cabeça dos bois e que os atrela a uma carroça ou arado, também conhecido por Canga] e correm atrás de sonhos e ambições. Também quero, apesar de ser cruel no retrato do mundo, deixar uma mensagem de esperança. Há sempre uma nesga de sol no horizonte, mesmo para as pessoas que vivem no escuro. Aqui e por esses países fora, não podemos considerar que ser deserdados da sorte é uma coisa normal. É preciso tentar lutar sempre e perceber que para voar é preciso querer. Não podemos pensar que somos sempre pardais, quando podemos ser milhafres, pois é tudo uma questão da envergadura das asas. Infelizmente, muitas pessoas, principalmente mulheres, nunca poderão saber o tamanho das suas asas, porque nunca lhes foi possibilitado um voo acima do chão. E eu, neste livro, conto muitas histórias de sucesso, por exemplo, a de uma empregada que pode vir a ser professora. Por outro lado, falo em histórias de união, de povo que consegue lutar contra os grandes latifundiários e por isso muda o rumo da sua vida, um rumo que parecia natural e triste, mas que, não baixando a cabeça, consegue, unido, inverter o rumo da vida e do sucesso. Sabe, quando não há poder de negociação, não vale a pena sentar-se à mesa das negociações. E geralmente os camponeses não têm poder para negociar, porque dependem, claro, dos grandes. Mas unidos conseguem muito mais. Digo-lhe que muitos, os do povo, não obstante serem analfabetos, passaram a ser mestres da geografia e encontraram uma fracção do mapa para onde arrancaram. E aqui falo do movimento demográfico, pois provaram que ninguém está contente com a tragédia. Há sempre a possibilidade de uma promoção social ou de uma luz para onde a escuridão tem prevalecido por muitas gerações. O sol vai chegar e nesta obra há histórias carregadas de esperança. SP: Como investigador social e interessado em todas as dinâmicas à volta do ser humano, olhando para a sociedade moderna, qual a mensagem que pode deixar? AAN: Para mim, tudo começa com a educação e com o sucesso educativo de todos. Tudo muda se investirmos verdadeiramente no nosso processo formativo enquanto bons profissionais, mas também como pessoas. Posso-lhe dizer que, estando ligado ao ensino, tive muitos alunos cá, filhos de portugueses, e na sua grande maioria tinham pouco apoio dos pais. Pais esses que me diziam que só tinham a terceira e a quarta classe, mas que tinham duas casas, uma aqui e outra em Portugal, e muitos deles até queriam tirar os seus filhos das Escolas. Se já nesse tempo nada disso fazia sentido, muito menos hoje onde a formação tem de ser vista como um pilar fundamental. É preciso estudar-se e fazer-se o que se gosta, pois só aí residem os bons resultados. Assim como o operário da fábrica, se não gosta do trabalho não terá sucesso, nem ele, nem a empresa. Quase metade das pessoas, provam os estudos feitos, não gostam do que fazem, não sentem felicidade e não sentem qualquer tipo de realização. São apenas seres humanos que exercem o seu trabalho porque precisam do cheque. Posso deixar uma mensagem de que é muito necessário, cada vez mais, que todos se dediquem ao estudo numa área que gostem, mas levem em conta as necessidades do mercado de trabalho. Sabe, não há segredo, nem há palavras mágicas. Para termos sucesso é preciso conhecimento e, é justo dizer, é preciso o apoio de alguém. Eu acho que há muitos casos de sucesso. Que se invista na educação. Sinopse do livro "Uma volta ao mundo em dez contos"
"Este livro leva-nos à China, ao Tibete, à Guiné, ao Canadá, à Guatemala, à Rússia... e a muitos recantos do nosso querido Portugal, conduzindo-nos por histórias envolventes, fruto das vivências do autor nestes locais, e do seu olhar observador, especialmente direccionado para aspectos pouco falados do contexto sociocultural e económico destes países. Mal equipado de paisagem para servir de miradouro, o Vale do Dão não aconchega no bojo os que anseiam por esquadrinhar o mundo para lá do horizonte limitado que a geografia lhes impõe. Então partem, e a Lapa, o Caramulo e a Estrela não lhes podem barrar o caminho. Eu sou um dos muitos que saíram à procura de outras fontes do saber em que o Vale não era pródigo. Mas voltei sempre, depois de ter navegado os maiores rios e atravessado as montanhas mais altas do mundo. E nos cantos mais remotos do planeta, desde os seringais do Acre, no Amazonas, até aos arrozais da Índia e Indochina, encontrei sempre explorados e exploradores, lordes e servos e situações trágicas onde a injustiça se compraz em prevalecer. Felizmente, nem sempre a injustiça e a vileza se enquadram na ordem natural das coisas". | ||||
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