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Correspondente de Portugal:A Lope de Vega Por Jorge Moreira Leonardo Sol Português
Caro Lope! Há já alguns anos, alguém com grandes responsabilidades na vida cultural portuguesa e, para cúmulo, exercendo as funções de presidente das Comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades, sugeriu que o hino do meu país de que pelos vistos não és exactamente um amigo, não fosses espanhol devia ser modificado a fim de lhe retirar toda a vertente bélica. Não gostei e, a propósito, escrevi um artigo em que manifestava, por forma veemente, o meu total desacordo. Alguém que, por sua vez, não gostou do meu artigo, criticou-me severamente e, para fundamentar a sua crítica, mimoseou-me com um poema teu em que ironizas a nossa maneira de ser e que, mais tarde, reencontrei num livro da autoria do dr. José Hermano Saraiva, grande historiador e excelente comunicador português, denominado a "História Sucinta de Portugal". Vou transcrevê-lo não para ti, obviamente mas para todos aqueles que, eventualmente, o desconheçam: "Sou el maior/senor que oje el mundo písa!/sou cifra de quanto es bono,/sou grande e de grande poder,/sou cetro, corona e trono/que terra e mar faz tremer!/sou aquel que ao profundo/chega com fama imortal,/e finalmente me fundo/em que bem sou Portugal,/que sou más que todo el mundo!" Palavra, Lope, que se não fosse o facto de mencionares o nome da minha pátria, ficaria absolutamente convencido que estavas retratando os teus compatriotas. E, confirmando a minha opinião, li uma obra maravilhosa dum escritor português, Júlio Dantas, "A Ceia dos Cardeais" (levar-te-ia um exemplar de boa vontade, mas sabes que isso não é possível) que relata a história de três cardeais (espanhol, francês e português) que, reunidos numa ceia em pleno Vaticano, resolvem confidenciar os seus passados. O cardeal teu compatriota, fazendo alarde de toda a sua gabarolice, clama: "E se não matei o Sol num duelo lá pelas alturas, foi para não deixar Salamanca às escuras!!!." Que dizes? Nada? É certo que não estás cá para te defenderes, mas eu também não estava quando escreveste aquele insulto ao meu país. Parte da tua vida coincidiu com a de um poeta, quanto a mim, melhor do que tu (perdoa-me o chauvinismo): Luiz Vaz de Camões. Não deve ter lido o referido poema. Posso garantir-te: patriota como era, ias ouvir das boas! Um dia tirei-me dos meus cuidados e fui ver toiros de morte ao teu país. Foi numa praça de terceira categoria. Não imaginas! Depois de fazerem o animal rodopiar atrás duma flanela vermelha, soa um clarim e entram na praça dois sádicos montados em bestas que são a versão equina do Aquiles, e que começam a picá-lo. Este de tão estúpido avança várias vezes. Ouvi dizer que era bravo. Novo toque de clarim e surgem dois indivíduos com umas farpas na mão e que depois de vários salamaleques as espetam no dorso do animal. Finalmente, depois de mais um passes de flanela, o toureiro ergue uma espada e espeta-a no toiro. Quando este tem sorte morre logo à primeira estocada. Por vezes, são precisas mais. Quando o toiro, esguichando sangue por tudo quanto é sítio, cai exangue, depois de em vão procurar um refúgio que o protegesse (chamam-lhe crença), o teu compatriota assume uma atitude altaneira, como se em vez de um pobre animal tivesse morto um dragão de sete cabeças de cujas garras libertara a sua amada. De todos os lados começam a surgir lenços brancos. Estranhei! Como só vejo tantos lenços brancos quando os adeptos de um clube de futebol querem correr com o treinador, pensei que não tinham gostado. Explicaram-me que os lenços se destinavam a pedir ao director da corrida que premiasse o toureiro com as orelhas, o rabo ou as patas do toiro, consoante o nível da actuação. Que terá de fazer o toureiro para conseguir um pedaço de filé mignon, lombo ou vazia? Ou mesmo os coisos que também fazem um bom guisado. Como, porém, à tortura há que juntar a humilhação, entram na arena mais três bestas que arrastam o toiro numa posição inevitavelmente grotesca. De qualquer maneira, amigo Lope, os nossos países, que viram nascer os homens mais destemidos e aventureiros do Mundo e até o dividiram ao meio nem queiras saber em que estado se encontram nos nossos, perdão, nos meus dias. Agora o que dividem são as esmolas da Europa dos ricos. Mas ainda assim os teus compatriotas continuam os mesmos fanfarrões que não querem chamar resgate à ajuda financeira. Até um escritor português, mas que viveu no teu país, escreveu um livro "Jangada de Pedra" no qual considera que não somos dignos de estar ligados à Europa. Não escreveu onde nos colocaria. Às tantas ainda íamos encostar às Caraíbas, ao Golfo da Guiné ou ao Sudeste Asiático. A propósito, a viúva, que é tua compatriota, por uma questão de sentimentalismo, quer acabar os seus dias no meu país. É que pagar 600.000 euros de impostos é pouco sentimental. Até que Deus queira, caro Lope! | ||||
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