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70 anos de imigração portuguesa:

Almoço comemorativo evocou marca açoriana no Canadá

Por Rómulo Ávila

Sol Português

Dezoito açorianos, a par de 67 outros portugueses originários de diferentes zonas do continente, integraram o primeiro contingente oficial de imigrantes lusos a desembarcar no Canadá, a 13 de Maio de 1953, e os seus nomes foram recordados no passado domingo (7) durante um almoço comemorativo destinado a evocar a contribuição açoriana para esta epopeia.

Evaristo Almeida, José da Silva, José Bento, António Couto, Constantino Carvalho, Manuel Machado, Guilherme Cabral, Jaime Pacheco, Armando Vieira, Afonso Tavares, Énio Vasconcelos, João Martins, Manuel Arruda, Manuel Vieira, Vasco Moreira, José Martins, Manuel Pavão e Vitorino Castro constam assim na lista dos 85 "pioneiros" que há sete décadas "abriram as portas do Canadá a Portugal".

Inserido no programa das comemorações dos 70 anos de imigração portuguesa para o Canadá, o encontro fez destaque ao contributo deste homens e à marca açoriana que com o seu exemplo preconizaram em todo o processo de integração e formação da comunidade luso-canadiana que aqui se viria a constituir.

No decorrer do almoço comemorativo, que teve como pano de fundo uma importante angariação de fundos para a Instituição de Caridade Magalhães, responsável pela edificação do futuro lar de idosos com o mesmo nome, foi ainda exibida uma exposição fotográfica e apresentado um livro, ambos representativos da ligação entre o arquipélago e este país de acolhimento.

Assim, e conjuntamente à exposição fotográfica "Quando eu parti para o Canadá", patrocinada pelo Museu da Emigração Açoriana, foi feito o lançamento do livro "Açores-Canadá", da autoria de Eduardo Medeiros.

A apresentação do tomo coube ao professor José Carlos Teixeira, que o considerou "um importante contributo para o estudo da comunidade açoriana chegada e inserida no Canadá", bem como "um ponto de partida que faltava, pois", como ressalvou, "os estudos de investigação nesta área não são muitos".

O jovem autor da obra, Eduardo Medeiros, de 26 anos, realçou que o livro pretende ser "uma ajuda na tentativa de perceber melhor, estudar melhor, informar melhor toda a relação entre os Açores e o Canadá".

Na sua avaliação, esta relação subsume-se na palavra "sacrifício", referindo os muitos desafios e dificuldades que os que deixavam a sua terra natal tinham de enfrentar numa época em que tudo era mais difícil do que actualmente.

"Posso resumir esta obra numa única palavra: sacrifício – sacrifício por deixarem a terra natal, sacrifício ao cá chegarem, sacrifício lá, para as suas famílias, e sacrifício por enfrentarem uma língua diferente numa era totalmente diferente da de hoje", explicou o autor.

Um dos momentos altos desta "festa açoriana" estava reservado para Manuel Vieira, o último dos 18 pioneiros açorianos ainda vivo, que foi alvo duma homenagem pelo director Regional das Comunidades Açorianas, José Andrade, presente ao evento, e pelo comité organizador do encontro, tendo recebido, de pé, a maior ovação da tarde.

Agora com 95 anos, Manuel Vieira lembrou o passado de "luta, de sofrimento, de exploração, mas também de gente boa que encontrou pelo caminho".

Em declarações ao jornal Sol Português e ainda visivelmente emocionado, recordou: "Todos tivemos momentos mais felizes e outros muito tristes, sentimos na pele a falta da família, da esposa, dos filhos, das nossas ilhas, mas quero pedir a todos, os que estão cá e os que agora vão chegando, que nunca se esqueçam do importante passo que nós demos – fomos os primeiros, não os últimos, e façam sempre por dar orgulho quando se disser a palavra Açores".

Numa referência à religiosidade que tão caracteristicamente marca a vivência açoriana, recordou, em lágrimas, o sábado da festa do Senhor Santo Cristo em 1953, afirmando que "foi Ele que deu força" aqueles 18 homens para darem início a esta epopeia, "num caminho em que nada conhecíamos".

Escutar-se-ia também nessa tarde o depoimento da advogada Judite Teodoro, que trabalha em processos que envolvem emigrantes e na resolução de problemas de luso-canadianos "com ligações aos Açores" e que afirmou ter "enorme orgulho em ser filha de um dos pioneiros açorianos".

"É preciso sair de Portugal para sentir Portugal, um país pequeno na sua dimensão geográfica, mas grande na sua dimensão humana", ressalvou, lembrando que "a diáspora portuguesa e açoriana é do tamanho do mundo".

Referindo-se ao dia da Mãe, que nesse domingo se celebrava em Portugal, lembrou a sua progenitora, "mas também todas as mães que ficaram a cuidar de nós, das casas e das terras" e que geriam "com cuidado" o que os homens ganhavam e lhe mandavam, pois "a elas também se deve a história da emigração portuguesa".

Por seu turno, o conselheiro da Diáspora Açoriana no Ontário e um dos rostos da organização responsável por este encontro, Matthew Correia, lembrou a razão de ser do evento.

"Estamos aqui reunidos porque temos em comum o amor a uma terra muito especial para nós, o nosso Portugal, mas também passámos a aceitar uma nova pátria, uma terra que nos deu, pelo trabalho dos nossos pais ou avós, uma oportunidade, uma nova e melhor vida", referiu.

"Seremos sempre amantes de duas terras, uma de que sentiremos sempre saudade e vontade de visitar, outra que sabemos que nos trouxe, a nós, filhos e netos, uma vida e uma perspectiva que os nossos antepassados não puderam encontrar na sua terra natal", continuou.

"Estes pioneiros ficarão para sempre na história, não só por terem sido os primeiros, mas pelo que depois fizeram", sendo "um exemplo" para os que vieram depois e merecedores de reconhecimento "por terem ajudado centenas e centenas de homens e mulheres a terem as condições mínimas para começar uma nova vida neste país, e por terem contribuído para que o nosso folclore, a música, as tradições, a gastronomia, as nossas festas e o nosso associativismo sejam ainda hoje uma marca no Canadá", concluiu.

Por último, destaque para a intervenção de José Andrade, Director Regional das Comunidades, que representou o presidente do Governo Regional dos Açores nesta comemoração.

"Podia fazer-vos um discurso político, mas prefiro trazer-vos um abraço açoriano", afirmou o governante, dizendo querer colocar-se "ao vosso lado, no vosso lugar e partilhar convosco um sentimento comum: quero convosco viver o espírito do emigrante, quando a gente sai da ilha… mas a ilha não sai da gente."

"Aqui, a nossa bandeira é vermelha e branca, mas também é verde e vermelha ou ainda azul e branca. Vivemos com os pés bem assentes no Canadá, a cabeça em Portugal, o coração nos Açores. Sentimos falta das pequenas coisas que fazem grandes diferenças: o cheiro do mar, a passagem das vacas, o canto dos romeiros, a roqueira que anuncia o quinto touro, a massa sovada do Espírito Santo, o olhar da Imagem do Senhor Santo Cristo. Aqui, somos felizes, mas não somos completos. Temos sempre saudade de algo ou de alguém. Compensamos a distância com as nossas tradições, com a nossa cultura, com a nossa língua, com a nossa fé. Somos canadianos de pleno direito, mas também somos portugueses e, em muitos casos, portugueses dos Açores, açorianos de cabeça erguida. Temos orgulho de ser o que somos."

A propósito dessa dualidade, lembrou que "quando estamos aqui, chamam-nos portugueses; quando vamos lá, somos canadianos. Mas isso é bom. Assim, cada um de nós vale por dois", afirmou.

O director Regional das Comunidades avivou que "no nosso coração açoriano cabem bem os dois países que tanto amamos. Portugal e Canadá estão unidos há 70 anos por um pacto de sangue – o sangue português que nos corre nas veias canadianas até chegar aos nossos filhos".

"Queremos que os nossos netos sejam ainda melhores do que nós – cidadãos canadianos reconhecidos e respeitados – mas queremos também que conheçam a nossa terra, que falem a nossa língua, que gostem de ser como somos", disse, lembrando que "é possível ser canadiano sem deixar de ser português".

"A melhor homenagem que podemos fazer aos pioneiros portugueses que desembarcaram do Saturnia no Porto de Halifax, a 13 de Maio de 1953, é continuar a demonstrar, sempre e cada vez mais, que o seu esforço não foi em vão, que valeu a pena abrirem caminho, que seguimos em frente para chegarmos mais longe, afirmando a nossa cidadania, dignificando a nossa identidade. Como se fossemos a viola de dois corações, que junta e não separa", declarou.

Dirigindo-se ao nosso semanário, o governante aproveitou a oportunidade para "saudar, agradecer e homenagear o jornal Sol Português como órgão de referência no conjunto da comunicação social portuguesa da província do Ontário", considerando-o "um jornal que estreita a relação Açores-Canadá e que orgulha a comunidade portuguesa, dando um contributo muito importante para sermos cada vez mais Portugal e Açores aqui". "Continuem com o excelente trabalho que acompanho semanalmente", afirmou.

A terminar o evento e vinda dos Açores, a personagem Tia Maria do Nordeste animou as mais de 400 pessoas que estiveram presentes naquela "tarde açoriana" e em que gritos de "Viva aos Açores" se repetiam mesa a mesa.

No cair do pano da celebração estiveram ainda em palco Miguel Domingos, Carlos Borges e Henrik Cipriano, artistas bem conhecidos na comunidade luso-canadiana pela sua qualidade e versatilidade musical.


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