PENA & LÁPIS


Correspondente de Portugal:

Quando havia donas-
-de-casa a tempo inteiro

Por Humberto Pinho da Silva

Sol Português

No meu tempo de infância ainda havia donas-de-casa a tempo inteiro. Eram senhoras, em regra da classe-média ou média-alta, que cuidavam do maneio do lar.

Realizavam toda a lida: cozinhavam, passajavam a roupa branca, passavam a ferro, varriam e educavam os filhos, acompanhando-os nos estudos.

Em regra, sobejava-lhes tempo para visitarem amigas e familiares. Muitas tinham dia certo para receberem, oferecendo o tradicional chá acompanhado de saboroso bolo caseiro que orgulhosamente confeccionavam.

As mais abastadas tinham empregada para executar as tarefas domésticas, às quais chamavam criadas – rapariguinhas analfabetas, ou quase, recrutadas na província.

Nas horas de lazer, as senhoras bordavam ou tricotavam. Prendas de mãos que aprenderam com as mães, que as educavam para futuras esposas e rainhas do lar.

Nessa recuada época, o marido da classe-média envergonhava-se quando a esposa trabalhava fora. Era ponto de honra: só por necessidade admitia que contribuísse para o orçamento familiar.

Respeitava-se religiosamente o velho anexim: "O homem abarca, a mulher arca".

Nesse tempo, quem governava o país era Salazar – homem que nascera no século XIX – e tudo fazia para manter a mulher no lar, como dona-de-casa.

Em conversa com a jornalista francesa Christine Garnier, disse: "A ausência da mulher desequilibra a economia doméstica e a perda de dinheiro que daí resulta, raramente é compensadora pelos ganhos exteriores" – in "Férias Com Salazar", Edição Parceria António Maria.

O estadista receava que a mão-de-obra feminina, no trabalho, provocasse descida na remuneração e desemprego. Nesse remoto tempo muitas famílias podiam viver com um só salário, agora nem dois chegam para as despesas quotidianas.

Se quisessem recompensar essas antigas donas-de-casa, que dedicaram a vida à família e agora, na velhice, encontram-se dependentes, sem qualquer rendimento, bastava alargarem o desconto no I.R.S. para o conjugue dependente. Já não digo reformá-las com o salário mínimo, como pensou o dr. Mário Soares.

Se outrora os jovens buscavam noiva de bom dote, hoje, sabedores que um só salário não chega para sustentar família, procuram moça que tenha emprego bem remunerado... e o mesmo fazem as futuras noivas.

São tempos prosaicos, não românticos, onde o amor se vai tornando num negócio... por vezes bem asqueroso.


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