PENA & LÁPIS


Um raio de inteligência

Por Inácio Natividade

Sol Português

O sol irradia luz que faz germinar vidas. Chegou a época de andarmos ao laréu, bem ao gosto de quem não vive por viver. A época cinzenta de incertezas e ansiedade esgotou, dando lugar à larga imaginação e criatividade.

Foi necessário esperar pelas chuvas para dar início ao novo ciclo, no qual a terra volta à fertilidade, predisposta a permitir-se o desabrochar de plantas e flores, e o cheiro do fruto maduro, pronto a ser recolhido. Impossível fugir à imaginação da meninice, quando o cheiro das maçalas, fruto do caju, e canho adornavam recantos da minha juventude.

No ceifar das ideias retrógradas e no emergir do novo homem e da nova mulher, a terra prometida fica mais próxima do ideal humano. Espero que não tenhamos desaprendido a escrever na areia o ponto de partida, que levou alguns de nós no plano etimológico ao limiar do pleno conhecimento.

Se o universo é um somatório do real e do imaginário, apenas podemos conceber a sua existência a um ser deísta, cuja sabedoria única e exclusiva trespassa a ordem natural da sabedoria humana.

Ao escrever na areia condensamos a imaginação, tal como pinturas de antepassados timbradas em labirintos de cavernas, testemunho de civilizações perdidas. Um povo sem identidade não sobrevive, e apesar de sermos obra de um intemporal Deus, a percepção existente depende do estado civilizacional de cada povo.

O universo e a estupidez humana explicam-se na leitura de civilizações milenárias, impondo a intolerância e o preconceito como modo de afirmação. Foram séculos atentando contra a dignidade humana, violando os direitos humanos de povos por estes serem culturalmente e racialmente diferentes. Veio depois a emancipação, a ruptura com o espartilho opressor, restando a língua como referência, para explicar o próprio mundo.

Se Deus é piedoso, o ser humano nem por isso. Toda e qualquer ideologia de superioridade é crime. Teve de haver uma revolução, fruto de épocas viradas às revoluções, incluindo de carácter sexual, com a finalidade de recuperá-la das cavernas e trazê-la à luz da realidade. E como alguém dissera "É que algumas das nossas atitudes devem ser repensadas para que possamos ter uma sociedade mais tolerante, inclusiva e menos preconceituosa."

Neste mundo inaudito de digitalização das mentes, parece estarmos a navegar o mesmo barco. Contudo, a percepção nem sempre converge sobre o estado de sítio em que nos colocamos. Uns cheiravam a catinga por serem negros e os outros não? Era o colonialismo no seu tempo, justificando o injustificável.

Todas as raças têm as suas características e o seu cheiro natural, tal como a variedade de plantas. Pedras preciosas não exalam cheiros; o que as tornam preciosas é a diversidade e a raridade.

A diversidade enriquece a beleza humana, como parte de um todo universo em movimento, no encontro com a verdade que liga toda a criatura ao seu criador. Os indivíduos são espelhos colocados frente a frente, em que cada um reflecte plenamente o outro. Como enfatizou Aimé Cesaire: raça nenhuma possui o monopólio de beleza, força e inteligência.

O que nos torna diferentes é a inteligência, o grau de conhecimento adquirido, a tolerância e, acima de tudo, o espírito nobre e elevado. As palavras podem machucar, e muito. Uma ferida aberta, senão curada, pode originar um malefício maior.

A racionalidade do antigamente provocou danos culturais que apenas o tempo pode reparar. Um mundo sem preconceitos não é uma utopia.


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