O alentejano que aprendeu a amar a
Guiné-Bissau e se tornou `rei dos frangos'
Por Vera Magarreiro (texto) e André Kosters (foto)
Agência Lusa
O português Francisco Ramos vive há 33 anos na Guiné-Bissau, onde é conhecido como o `rei
dos frangos', e descarta regressar a Portugal porque, com o seu "coração africano", já não se iria adaptar.
Em entrevista à agência Lusa, na estrada de Sitec, na capital guineense, Bissau, este português de 76
anos conta que a opção de emigrar para a Guiné-Bissau se deve a um pedido de alunos guineenses, a quem deu
um curso de restauração depois de ter regressado do serviço militar em Timor-Leste.
Nesse curso "havia vários guineenses", que lhe pediram para ir para a Guiné-Bissau porque o
país precisava de ajuda.
"É simples, eu vim de peito aberto, numa de solidariedade, ajudar a Guiné-Bissau. E fiquei por aqui.
Umas vezes as coisas a correrem bem, outras vezes a correrem mal", diz, referindo-se a vários negócios, todos na
área da restauração.
Quando chegou a Bissau, em 1990, abriu o restaurante Asa Branca, mesmo no coração da
capital guineense, que depressa ficou famoso.
Além dos clientes guineenses, era visitado por muitos portugueses, que, devido à guerra civil de
então em Angola e em Moçambique, procuravam na Guiné-Bissau uma "perspectiva de negócio".
"Foram anos de grande sucesso, não só para o meu restaurante, mas para outros restaurantes
também porque havia de facto uma grande movimentação de pessoas", explica.
Com a fama e "ao fim de sete ou oito anos", o espaço, no quintal da sua casa, depressa se tornou
pequeno e Francisco Ramos comprou um terreno maior perto da avenida que liga o centro de Bissau ao aeroporto,
onde abriu o restaurante Lusófono.
"Eu criei o Lusófono como um filho", diz, mas pouco depois começou a guerra civil de 1998 na
Guiné-Bissau, que "foi dramática como infelizmente a maioria das guerras" e a clientela desapareceu.
"Fui obrigado a fechar o Lusófono por falta de clientela porque a instabilidade política era muito
grande naquela altura", conta.
No entanto, recusou-se a baixar os braços e criou o Rei dos Frangos, já lá vão 24 anos, e que é hoje
"um nome a respeitar" na Guiné-Bissau.
Actualmente e mesmo quando já conta os meses que lhe faltam para a reforma, além do
restaurante principal, está a tentar a sorte em Quelelé, a menos de um quilómetro, "para ver se vale a pena ou não
investir lá um bocado de dinheiro" porque é uma zona onde "há muita população" mas nenhum restaurante.
Hoje emprega dez pessoas e diz que a maioria dos seus clientes é guineense, ao contrário do período
antes da guerra de 1998, quando havia "muitos cooperantes de vários países".
"Com a guerra de 98, essa cooperação foi desaparecendo por um motivo ou por outro. E ficaram
os guineenses e aqueles que gostam da Guiné", diz.
Sobre as condições de vida dos guineenses, quando passaram quase 50 anos da auto-proclamação
da independência, Francisco Ramos ressalva que não conheceu o país antes da independência, mas assegura:
"Eu estou cá desde 90 e desde 90 posso dizer que de facto não tem havido melhorias nenhumas".
Hoje, sobretudo devido à conjuntura internacional, os cerca de 80 por cento de guineenses que
dependem do comércio da castanha de caju estão a passar por uma situação "muito grave" porque o produto "está a
ser muito mal pago" e não dá para comprar arroz, a base alimentar da população.
Apesar das dificuldades, o português pretende continuar neste país onde teve os seus três filhos –
"duas fêmeas e um macho", como se diz na Guiné-Bissau – todos de mães guineenses.
"Os guineenses não gostam de ver um português aqui a trazer a mulher. Gostam que os
portugueses venham e tenham filhos aqui das guineenses" para mostrar que "a pessoa não vem para aqui só à procura
de dinheiro".
As filhas estão em Inglaterra e o filho em Portugal e a família que tem no país, sobretudo na região
de Ervidel, Beja, de onde é oriundo, nunca o visitou na Guiné-Bissau.
"África ainda é um mistério para muitas pessoas", tenta explicar, referindo que além disso "fala-se
que isto é mau e aquilo é mau e as pessoas têm medo mesmo".
Mas à pergunta se pensa voltar para o país onde nasceu, Francisco Ramos não hesita na resposta:
"Não, definitivamente não". O seu futuro passa pela casa que construiu na Guiné-Bissau.
"Ir definitivamente para Portugal está fora das minhas ideias. Sabe o que é estar 33 anos em
África?", questiona, justificando que voltar agora à Europa "é muito complicado". "Não, aquilo já não tem nada a
ver comigo", insiste.
Segundo dados do Ministério dos Negócios Estrangeiros, estavam registados 8.902 portugueses
no consulado na Guiné-Bissau em 2022, a maioria a viver em Bissau, seguindo-se Cacheu e Oio, Bafatá e Gabú.
A comunidade portuguesa dedica-se sobretudo ao comércio e retalho, construção civil, logística
e distribuição, serviços de saúde, cooperação e desenvolvimento e trabalho em organizações internacionais.
Francisco Ramos emociona-se quando diz que "o povo guineense é extraordinário" e não tem
dúvidas em apontar que "o problema da Guiné é político".
À pergunta se já se sente guineense e africano, a resposta também é pronta: "Naturalmente que sim".
"Eu costumo dizer aos guineenses que não sou só guineense, eu sou um europeu com coração africano".
Francisco Ramos diz que gosta muito "desta terra", mas repete o que diz sempre aos amigos:
"Para aguentar esta situação da Guiné, não é só gostar da Guiné, temos de amar a Guiné".
VM // JH | Lusa
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