COMUNIDADES EM FOCO


70 anos de imigração portuguesa para o Canadá:

Durante dois dias, Toronto sentiu o coração de Portugal e do seu povo

Por Rómulo Ávila

Sol Português

Passados 70 anos desde que a 13 de Maio de 1953 o navio "Saturnia" atracou no porto de Halifax, na Nova Escócia, trazendo a bordo o primeiro contingente oficial de imigrantes portugueses, as comemorações deste acontecimento estiveram em destaque em Toronto durante o último fim-de-semana.

Organizadas por um comité dedicado a destacar o contributo destes pioneiros que outrora "abriram as portas a milhares e milhares de portugueses que aqui, no Canadá, ambicionavam sonhos de vida e sucesso pessoal e familiar", como refere o programa comemorativo, as festividades decorreram ao longo dos dias de sábado (13) e domingo (14), proporcionando momentos contagiantes e emotivos.

Tudo começou com uma visita à Galeria dos Pioneiros Portugueses, seguida da apresentação do livro de Daniel Bastos, "Crónicas - Comunidades, Emigração e Lusofonia", que teria lançamento oficial pouco depois, juntamente com várias outras obras de autoras luso-canadianas.

O lançamento desses livros tiveram lugar na Peach Gallery, onde, para além da obra supracitada de Daniel Bastos, foram apresentadas "As Bicicletas de Toronto", de Aida Batista; "Canadá, Olhares e Percursos de uma Portuguesa Curiosa", de Manuela Marujo; "Cleaning Up: Portuguese Women's Fight, for Labour Rights in Toronto", de Susana P. Miranda e Franca Iacovetta; e "Portugal's Daughter", de Patricia Ferreira.

As principais actividades ao ar livre, porém, começariam mais tarde, com uma cerimónia no "Passeio da Fama" dos luso-canadianos e ao qual se somaram quatro novos nomes e estrelas.

A iniciativa, criada pelo empresário Manuel da Costa, tem vindo desde 2013 a reconhecer anualmente figuras que se distinguiram na sua actividade profissional ou pelos serviços prestados à comunidade, passando os seus nomes a figurar num mural que acompanha o passeio, que ondula por entre um pequeno jardim junto à esquina das ruas College e Crawford, em Toronto.

Este ano foram distinguidos o professor catedrático da Universidade da Colúmbia Britânica, José Carlos Teixeira; o administrador do sindicato da construção civil LIUNA Local 183; Jack Oliveira; a empresária e alpinista Ema Dantas; e, a título póstumo, o ex-presidente do Centro Cultural Português de Mississauga (CCPM), Tony de Sousa.

"Este reconhecimento é dedicado a todos os pioneiros que ajudaram a construir estas comunidades portuguesas de costa a costa", afirmou o professor José Teixeira no momento em que lhe foi entregue a distinção.

Por seu turno, o dirigente sindical Jack Oliveira caracterizou a ocasião como "um dia muito especial para a comunidade portuguesa", face às comemorações dos 70 anos de imigração portuguesa para o Canadá e à importância de salientar "as oportunidades que os pioneiros deram a estas gerações".

Quanto ao seu reconhecimento pessoal no Passeio dos Luso-Canadianos, afirmou que "quando as pessoas trabalham todas juntas, no fim há sucesso, não só para uma, mas para todas", dedicando o galardão a todos os que com ele trabalham e à comunidade em geral.

A alpinista Ema Dantas, que já escalou as sete montanhas mais altas do mundo procurando consciencializar a opinião pública para questões ligadas à saúde mental, tema particularmente relevante nos dias de hoje, indicou querer com o seu exemplo inspirar outros "a não desistirem dos seus sonhos".

Por sua vez, a família de Tony Sousa, que recebeu a distinção em nome do falecido ex-presidente do CCPM, mostrou-se orgulhosa pelo trabalho voluntário que este desenvolveu desde 1970.

"O meu pai, sempre trabalhou em vários locais e fez parte do Centro Cultural Português de Mississauga, sempre muito orgulhoso da comunidade" portuguesa, afirmou a filha.

Uma das presenças mais apreciadas e notadas nesta cerimónia foi a do presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, que aqui se deslocou para assistir e participar nas cerimónias em curso.

O deputado socialista, eleito pelo círculo fora da Europa, aproveitou a ocasião para reiterar a sua opinião contra o que apelidou de "fervor ultra-nacionalista" que se tem vindo a intensificar à volta do mundo e no seu discurso na Praça Camões, junto ao Passeio da Fama, apontou "a comunidade portuguesa no Canadá" como um bom exemplo contra essa tendência.

"Isso de ter duas pátrias é uma coisa boa, não é uma coisa má, no momento em que um pouco por todo o mundo há esta febre ultra-nacionalista das pessoas acharem que para serem patriotas têm que denegrir a pátria dos outros", afirmou.

Augusto Santos Silva considerou que o exemplo português "é sempre um exemplo de quão errada é essa concepção", porque as pessoas "podem estar em todo o mundo à vontade, nos países em que estejam, sem perderem nada da sua ligação à pátria portuguesa".

"São cerca de meio milhão de pessoas portuguesas neste país que têm duas características essenciais: uma integração perfeita na sociedade que os acolhe, o Canadá, e uma contribuição notável para a economia canadiana, também para a vida pública do Canadá; por outro lado, o profundo enraizamento em Portugal e uma ligação muito forte à sociedade portuguesa", destacou, sublinhando serem "pessoas que, muitas delas, têm muitas pátrias".

Ainda neste que foi o primeiro de dois dias de comemoração, e antes duma recepção para convidados especiais e do concerto da fadista Mariza, vinda de Portugal, que se realizaria nessa noite em Vaughan, foi revelado o monumento "Anjo da Guarda", da autoria do escultor Pedro Neves, que está agora instalado também junto à praça Camões.

A escultura visa retratar os 70 anos de relações Canadá-Portugal e de imigração lusa para este país, sendo "composta por sete pedras de mármore diferentes", esclareceu o escultor ao descrever a sua obra.

A esse propósito, Manuel da Costa referiu que os pioneiros de há 70 anos "foram os nossos anjos da guarda", pelo que a escultura é "para o futuro da nossa comunidade" e "uma lembrança que vai perdurar para sempre na nossa história".

Nessa noite, na cidade vizinha de Vaughan, Mariza faria um memorável concerto à porta fechada, fechando as actividades de sábado com chave de ouro.

Antes da subida ao palco da fadista, porém, escutar-se-iam breves alocuções do vice-presidente internacional da LIUNA, Joseph Mancinelli; da candidata luso-canadiana à presidência da Câmara Municipal de Toronto, Ana Bailão; e do ministro da Habitação, Diversidade e Inclusão, Ahmed Hussen a respeito do impacto de Portugal e da sua cultura no país, bem como do contributo da comunidade lusa que permitiu edificar o Canadá moderno.

No dia seguinte, domingo (14), e ao contrário do espectáculo da véspera, o evento denominado "Portugal: The Festa" marcou o programa das comemorações com uma série de concertos gratuitos com artistas portugueses e luso-canadianos, e espectáculos de folclore com ranchos representativos das diversas regiões de Portugal.

Desta feita o palco escolhido foi a praça Nathan Philips Square, junto à Câmara Municipal, bem no coração de Toronto, onde uma série de tendas e quiosques montados por restaurantes locais permitiam também ao público provar alguns dos tradicionais petiscos portugueses ao mesmo tempo que apreciavam as actuações.

Ao longo do dia, desde as 11h00 às 21h00, vários artistas animaram aquele largo no centro da cidade, incluindo Peter Serrado e Ruby Anderson, Tony Gouveia e a sua banda, a cantora Sofia Câmara, a banda Sagres, bem como, vindos de Portugal, Bárbara Bandeira e Pedro Abrunhosa, que foram cabeça-de-cartaz dos concertos.

Para a banda Sagres, após uma carreira de 35 anos, este espectáculo marcou a sua despedida dos palcos, com os seus elementos a indicarem ter escolhido a ocasião como forma de homenagem aos primeiros portugueses a chegarem ao Canadá com o estatuto oficial de imigrantes.

E por nesse domingo ser Dia da Mãe no Canadá, foi prestado um tributo especial às progenitoras pela cantora Sofia Câmara que em palco pela primeira vez dedicou os seus temas a todas as mães, referindo que "devemos correr atrás dos nossos sonhos, mas nunca esquecer que as mães são o nosso abrigo, a nossa maior garantia, a nossa casa e o nosso ninho".

De destacar ainda a actuação ao longo de todo o dia de vários ranchos folclóricos da comunidade portuguesa, montras vivas da etnografia de diferentes eras e regiões de Portugal e que, como destacou o dirigente comunitário Laurentino Esteves, "são uma componente essencial da nossa identidade cultural".

A natureza do evento era propícia também às intervenções de diplomatas e políticos convidados, incluindo o embaixador de Portugal no Canadá, António Leão Rocha; a presidente interina da Câmara Municipal de Toronto, Jennifer McKelvie; a vereadora Alejandra Bravo; a deputada federal Julie Dzerowicz; e o ex-ministro das Finanças do Ontário e agora deputado federal, Charles Sousa.

De igual modo, e em representação do governo português, escutaram-se intervenções do secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, Paulo Cafôfo, e do deputado da Assembleia da República Miguel Iglésias.

Alinhando pelo mesmo diapasão, todas as intervenções foram curtas e destacaram a "portugalidade" presente em cada rua e em cada ponto do Canadá, destacando-se ainda uma homenagem de Paulo Cafôfo, em representação do Estado Português, à actual concorrente luso-canadiana à presidência da Câmara Municipal de Toronto e ex-vereadora, Ana Bailão, referindo o trabalho desenvolvido por "uma grande portuguesa em Toronto".

Por seu turno, a candidata pediu para que no dia 26 de Junho, data das eleições, a comunidade portuguesa não se esqueça dela e fez votos de que no futuro todos continuem "a pintar" aquela praça "com as cores da nossa bandeira e com o calor do sangue português".

As apresentações dos artistas e dos actividades programadas para esse dia especial ficaram a cargo dos jornalistas Francisco Pegado, da Rádio/TV Camões, e de Rómulo Ávila, do jornal Sol Português, bem como de Angie Câmara, que integra o comité organizador das comemorações dos 70 anos de imigração portuguesa para o Canadá.

Destaque ainda às várias referências ao longo do dia para o projecto que visa construir a primeira instituição de saúde e residência culturalmente adaptada às necessidades da população idosa portuguesa, o Lar Magalhães, cujas obras estão em curso e se prevê venha a estar pronto até ao final de 2025 mas que "precisa da ajuda de todos para ver a luz do dia".

De acordo com a organização, haverão ainda várias actividades incorporadas nestas comemorações que se irão realizar nas próximas semanas, incluindo workshops dedicados à arte de bordar de Viana, culinária para idosos, bem como uma noite de fado, espectáculo marcado para dia 20 de Maio, assim como a participação no último fim-de-semana do mês do CCPM no festival multicultural Carassauga, em Mississauga.

Por fim, em Junho, destaque para o lançamento do site "Movimento Perpétuo: The Portuguese Diaspora in Canada", assim como uma cerimónia em Oshawa com o hastear da bandeira portuguesa na Câmara Municipal daquela cidade pelas 16h00 do dia 9 de Junho, e ainda a realização em Toronto da próxima conferência da Associação de Estudos Lusófona (LSA, na sigla em inglês), que decorrerá na Universidade de York.

A organização mantém um portal com o programa detalhado de actividades e eventos em 70anoscanada.com.


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