PENA & LÁPIS


Carlos III herdou fardo e privilégio da realeza

Por Idalina da Silva

Sol Português

A herança monárquica inglesa é por muitos visto com desdenho, um regime puritano, ditatorial e fanático que perdura nos nossos tempos.

Na primeira metade do século XVII, os puritanos, cingidos pelo seu próprio sentido de rectidão, estavam convencidos que o mundo se dividia entre opressores abomináveis e vítimas virtuosas. Criaram a ilusão duma Grã-Bretanha renascida, intocada pelo privilégio real, embora longe de ser uma sociedade livre e justa.

Desta forma, o então monarca, rei Carlos I, viveu um breve período de republicanismo, constituindo o que hoje é o Reino Unido.

Eventualmente, foi acusado de traição e tirania. Era, de facto, considerado arrogante até ao momento em que o seu pescoço real se rendeu à guilhotina e então acreditou realmente que governava pelo direito divino dos homens e não de Deus.

Quando na semana passada o actual príncipe Carlos foi oficialmente coroado rei Carlos III, tinham-se passado 136.696 dias desde que a cabeça de Carlos I se separou do seu corpo. Hoje, em pleno século XXI, e uma vez mais, muitos gostariam de ver o fim da monarquia.

Além do mundo estar extraordinariamente mudado, no Reino Unido existem alguns paralelos entre a época de Carlos I e do actual rei Carlos III: descontentamento geral com os impostos, famílias que se debatem com o aumento insuportável do preço dos alimentos, custo de vida altíssimo e desconfiança em relação às relações internacionais do país, neste caso, o Brexit.

O rei Carlos III não pode consertar nada disto, porém é o receptáculo das culpas, especialmente pelos gastos com a pomposa coroação, estimados em cerca de 170 milhões de dólares.

Afinal o que foi que os que britânicos ganharam com isso? Simplesmente um fim de semana prolongado três dias. Pedir três vezes desculpa no que diz respeito à maré histórica do colonialismo e do comércio de escravos não é suficiente ou uma expiação de culpas quantificável.

O que não significa necessariamente, por exemplo, que Carlos III devolvesse as jóias da coroa, com a sua providência, em alguns casos, ou as jóias, no valor de centenas de milhões de dólares, da colecção particular da rainha Isabel II.

Ou ainda que fosse expulso dos muitos castelos e propriedades que herdou, ou pedisse desculpas formais no século XXI com a consciência pesada pelos males feitos no passado, incluindo no Canadá onde recentemente os primeiros-ministros puxaram o tapete por injustiças passadas.

Nesta perspectiva, a Grã-Bretanha, outrora um formidável Império, tem muitos pedidos de perdão a fazer.

No mês passado, pela primeira vez, o rei mostrou apoio à pesquisa sobre o envolvimento da família real com a escravatura. Os seus antepassados tinham acções em empresas de comércio de escravos.

Na quarta-feira da semana passada o Jornal Daily Mail escreveu a propósito dos 14 países ultramarinos onde Carlos é chefe de estado. Desses, seis: Canadá, Austrália, Baamas, Jamaica, Ilhas Salomão, e Antiqua e Barbuda, votariam a favor de abolir a monarquia.

A verdade é que os resultados colocam o Canadá, que Carlos III visitou 18 vezes, perto do topo da lista de nações onde predomina o sentimento antimonárquico.

O Canadá está entre quatro países onde a maioria da população argumenta que a monarquia é uma instituição racista e colonialista, e à qual a nação não deve estar ligada.

Ser rei é um imenso privilégio para Carlos III, mas também um fardo, enquanto ele tenta transformar a coroa angular numa sociedade multi-étnica e multirracial, especialmente na Grã-Bretanha, que é ainda uma nação dividida por classes.


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