PENA & LÁPIS


Correspondente da Alemanha:

A Cruz sinal do universo e da Salvação une os extremos e resolve-os

Por António Justo

Sol Português

"Boas festas, aleluia! Aleluia! Cristo ressuscitou, aleluia!", costumam saudar-se os cristãos uns aos outros no Domingo de Páscoa. Nesta atmosfera saúdo cristãos e não cristãos também!

A tristeza e a alegria andam juntas e complementam-se. O paleontólogo e teólogo Teilhard de Chardin convida-nos à reflexão constatando que, tal como no cristianismo das origens, "a cruz não é apenas um símbolo do lado obscuro e regressivo..., mas sobretudo do lado sublime e luminoso do universo em formação".

Na cruz está resumida a cruz da humanidade e a cruz da realidade (do mundo físico). De facto, poderíamos considerar a cruz como a grande fórmula da Realidade imanente e transcendente no cadinho da vida em efervescência.

Segundo Alfons Rosenberg, não se trata de imitar a cruz, mas de se "tornar a cruz". Na cruz, o encontro da polaridade refuta a visão dualista da vida (maniqueísmo) de nos fixarmos no bem ou no mal...

Espiritualidade e corporalidade precisam de equilíbrio. A linha transcendental da vida cruza a linha horizontal da mesma para que a nossa existência seja correcta e equilibradamente elevada...

Em termos de simbologia, o eixo transversal da cruz mostra a conexão com a terra e com o corpo, acentuando o eixo feminino (vida existencial, irmandade solidariedade), ou seja, o aspecto biológico da vida, enquanto a acentuação do vertical, o eixo masculino (vida abstraída), acentua a verticalidade.

A demasiada acentuação de um ou outro eixo (ou de um dos quatro braços) pode criar desequilíbrios críticos na vida humana. Assim, a demasiada acentuação do eixo vertical pode corresponder a uma análoga dessensualização do pensamento e pode conduzir à falta de relacionamento na área humana...

Alfons Rosenberg (judeu convertido ao catolicismo) na sua meditação da cruz, ao descrever o significado da acentuação dos quatro braços diz que a cruz latina, ao contrário de outras cruzes, acentua o masculino-patriarcal através do eixo vertical prolongado...

A cruz une o espírito e a matéria, o humano e a natureza, tal como Jesus Cristo reúne e une nele a divindade, a humanidade, o espírito e a matéria.

Romano Guardini (1885-1968) grande teólogo e filósofo, diz que o sinal da cruz "É o sinal do universo e é o sinal da salvação".

De facto, no cristianismo dos princípios, a cruz representava o "sinal do filho do homem"... A fixação do significado da cruz na cruz da gólgota (Cristo crucificado), tão importante na piedade popular, não deve ser reduzido a tal e deixar esquecida a extensão cósmica da cruz. que tem um significado que envolve toda a natureza (até a física quântica). Neste sentido é de recordar a teologia do "Cristo Cósmico" de Teilhard de Chardin!

Fazer o sinal da cruz (persignar-se e benzer) é um gesto importantíssimo da fé e muito efectivo, se for realizado com interioridade (presença vivencial de Deus, da humanidade e do universo), para ser-se abençoado e abençoar. Abençoar o próximo, animais e a natureza com o sinal da cruz é um gesto salutar para o próprio e para os outros (pode ser efectuado de forma reservada!) Naturalmente, como sinal do universo, pode ser usado por cristãos e não cristãos!...

Na cruz temos a perspectiva de Deus, do humano e do mundo; nela está consagrada também a corporalidade do homem e de todas as coisas.

Também o orar de braços abertos afirma a corporalidade aberta em cruz que poderíamos sentir como ressonância de Deus e do universo em nós e de nós em Deus e no universo. Como disse, são gestos que podem também ser feitos por pessoas não cristãs e, ao fazê-lo, sentirão o aspecto benéfico no espírito e no corpo. Para quem nunca o fez, pode experimentar fazê-lo, por exemplo, ao pôr do sol, ao levantar do sol, numa noite de céu estrelado, junto ao mar ou ao ouvir uma música envolvente que passa a habitar em nós.

Importante será criar em nós um espaço recolhido para entrar numa atitude de admiração, apreço e respeito e ao mesmo tempo fazer o exercício de inspirar o amor que tudo une e expirar-se algo que nos fere ou preocupa.

Nesse inspirar e expirar pode ser que se tenha a dita de se sentir interiormente a morte e ressurreição – uma espécie de osmose espiritual entre o divino e o humano, provocadora de uma vivência da unidade do todo que envolve a paixão e a ressurreição num aleluia exuberante que poderia até expressar-se como orgasmo da alma.

António da Cunha Duarte Justo é Teólogo e Pedagogo


Voltar a Pena & Lápis


Voltar a Sol Português