PENA & LÁPIS


África, mãe de minha mãe

Por Inácio Natividade

Sol Português

A elite africana herdou do ocidente o hábito de ignorar os pobres e necessitados. Com as mãos levantadas para o céu, continuamos a invocar Deus para que nos liberte da dor de sermos negros num mundo dominado pela intolerância racial.

Com um esgar de dor no olhar e mãos erguidas ao céu, continuamos a exigir respostas dos orishás e dos búzios pelo que nos foi retirado na história, desde o ventre materno. As tempestades sempre acalmam, mas continuamos a exigir ao universo de direito, e ao sector mais reaccionário branco um recuar do preconceito racial contra África e a sua diáspora no mundo.

África, mãe de minha mãe, pai e família, a premissa de subdesenvolvimento a separar a África da Europa, é desnudada pelos 500 anos do maior roubo da história, entre séculos e séculos, ámen.

Ficámos de tanga e continuamos na tanga, a capulana a cobrir o que nos resta da auto-estima que permitiu contrariar o bullying racial de exércitos da intolerância e das turbas racialmente motivadas em colocar o negro no chão. Até ao exorcizar das dores, a luta continua!

Os africanos morrem afogados no Mediterrâneo, com o sonho a qualquer preço seguro na mão, os resgatados recusados, nem tidos nem achados. Contudo, querem o voto expresso africano de apoio à Ucrânia e ao seu povo, de olhos azuis, como a Europa se insinua, por todos serem da mesma tribo.

Numa cretinização de inaudita envergadura, grita-se: "deixem-nos morrer nas águas para aprenderem!" Ainda outros entretêm-se a reenviá-los de volta a África, através de Ruanda. Afinal, há que manter os emigrantes africanos bem longe da Europa.

Quando guerras geopolíticas produziram 18 milhões de ucranianos necessitados, refugiados, e 9,3 milhões a necessitarem de ajuda alimentar, muitos mais milhões em África vivem com cerca de 1 dólar por dia, em clima permanente de guerra.

Notório é o retorno das dores porosas, VIH, cólera e endemias crónicas numa saúde degenerada, com milhões de pessoas sem água potável nem electricidade, culpa de uma elite desalinhada a quem não faltam mordomias de toda a espécie.

Esses protagonistas incessantes da desgraça são culpados da presença da fome em cada quarteirão porque enquanto uma maioria sobrevive de raízes de mandioca, a minoria vive no luxo, rodeada de lagosta e camarão.

Sim, porque em vez de se plantarem batatas, milho, arroz e feijão prefere-se importar o básico. Desta forma as elites, com os seus negócios indubitáveis, nunca saem a perder. Rubis, diamantes ou esmeraldas são apenas notícia nos jornais dos leilões da Sotheby's em Nova Iorque, Dubai, Singapura ou Genebra.

Nada de acidental, mas ocidental. A elite africana herdou do ocidente o hábito de ignorar os pobres e necessitados. O Ocidente não tem lições de democracia a dar a ninguém e muito menos aos africanos.

Enquanto houver gente a escolher a política como forma de sustentar o vício do dinheiro primeiro, o povo estará sempre em segundo plano. O povo apenas serve para posar na fotografia em tempos de crise. Em alguns casos, até doações do estrangeiro para apoio a vítimas de calamidades naturais são desviadas.

Não foi para isso que hipotecámos em tempos parte da juventude e dos estudos para pegarmos numa kalashnikov. Uma África diferente depende do africano, patriota, como era o nosso comandante-em-Chefe, Samora Machel: "o povo sempre em primeiro".


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