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Folia Carnavalesca volta às ruas de Portugal

Carnaval de Loulé bate recordes de afluência e boa disposição

Por Fernando Paula Brito (texto)
e Luís Forra (fotos)

Agência Lusa

O Carnaval de Loulé superou este ano as expectativas iniciais e "bateu todos os recordes" em termos de afluência e boa disposição, depois de dois anos de interrupção devido à pandemia de covid-19.

"Superou todas as expectativas e está a ser brutal. O melhor ano de sempre em termos de número de pessoas e de negócio", assegurou terça-feira (21) à agência Lusa Bruno, que há 20 anos vende hambúrgueres e cachorros no Carnaval de Loulé.

O vendedor ambulante, que tem a sua banca logo à entrada do "sambódromo louletano", na avenida José da Costa Mealha, disse que, logo no domingo, "o estado do tempo ainda assustou com alguns pingos, muito poucos, a caírem, mas segunda-feira e hoje [terça-feira] o tempo esteve muito bom".

Antes do início, às 15:00, do espectáculo, as esplanadas no centro da cidade algarvia estavam cheias, com muitos turistas em `t-shirt' a tirar partido do dia de sol e 20º centígrados de temperatura.

Apresentado pela autarquia como "o mais antigo corso do país", a edição de 2023 desta festa popular significou um investimento superior a "400 mil euros" inscrito no orçamento municipal, prevendo-se um impacto "substancial" na economia nesta época baixa do turismo algarvio.

Dentro do recinto a assistir à passagem dos grupos de animação e no meio de um ruído ensurdecedor, o presidente da Câmara de Loulé, Vítor Aleixo, que organizou o espectáculo, confirmou que "este Carnaval está a bater todos os recordes de afluência, alegria, cor, etc.", estimando que "70 a 80 mil pessoas" tenham entrado no "sambódromo louletano".

Vendedora numa loja de acessórios de senhora, uma das poucos casas comerciais abertas na avenida José da Costa Mealha, Rafaela também era da opinião que nos três dias de festa "estiveram mais pessoas do que nos carnavais de antes da pandemia".

A louletana estava, no entanto, triste com a pouca afluência de compradores à sua loja: "para o negócio não tem sido bom, visto que as pessoas vieram para ver o Carnaval e não para comprar", lamentou.

Numa farmácia de serviço não muito longe, uma das poucas clientes, Maria da Graça, de 67 anos, não tinha dúvida que a edição de 2023 do Carnaval era "muito melhor" do que em anos anteriores, mas o que mais a estava a impressionar era a organização "impecável".

Uma patrulha conjunta internacional circulava no recinto para assegurar a segurança e sensibilizar os espectadores em várias línguas: um agente da Guarda Nacional Republicana (Portugal), outro da "Gendarmerie" (França), outro da "Guardia Civil" (Espanha) e, finalmente, outro dos "Carabinieri" (Itália).

A operação nasceu de uma parceria entre as quatro instituições para momentos onde há uma maior afluência de estrangeiros e tem sido replicada noutras alturas do ano, como no Verão ou na Páscoa.

"Este Carnaval é formidável. Muito melhor do que em França", disse à Lusa Christian, um francês de 72 anos que passa vários meses por ano na sua casa da Praia da Rocha, nos arredores da cidade algarvia de Portimão.

O reformado estava muito impressionado com "a calma e o bom comportamento" dos portugueses neste tipo de festas, dando "menos problemas às autoridades" do que acontece no seu país.

O Carnaval de Loulé teve este ano "14 carros alegóricos, 10 grupos de animação, três escolas de samba, cabeçudos, gigantones, num total de perto de 600 animadores".

A candidatura a Geoparque, que em breve os municípios algarvios de Loulé, Albufeira e Silves irão apresentar junto da Organização das Nações Unidas para a Educação (UNESCO), e o achado paleontológico que a inspirou, uma salamandra gigante com 227 milhões de anos, serviu de tema à edição deste ano do Carnaval, que decorreu sob o mote "Ó Zé… Já viste o Algarvensis?".

"O tema escolhido é pouco habitual", reconheceu o presidente da Câmara de Loulé, ao mesmo tempo que assegurou que, mesmo assim, "resultou em pleno, porque as pessoas aderiram" ao mesmo.

Várias figuras alusivas ao tema desfilaram no corso e ainda muitos populares "pegaram no slogan e estavam enfeitados a condizer".

No desfile estiveram também cerca de meia centena de bonecos de figuras bem conhecidas concebidas pelo criativo Paulo Madeira, com caricaturas de António Guterres, Vladimir Putin, Volodymyr Zelensky, Marcelo Rebelo de Sousa, Greta Thunberg, António Costa e muitos outros "convidados".

Marginal do Funchal transformou-se num `sambódromo' no regresso do Carnaval

A marginal do Funchal encheu-se sábado (18) de cor e alegria, ladeada por uma multidão de residentes e visitantes, que se juntaram para ver passar o cortejo de Carnaval, após um interregno devido à pandemia de covid-19.

Naquela artéria desfilaram os 1.500 elementos que compuseram as 12 trupes do corso, o ponto alto deste importante cartaz turístico da Madeira, que este ano decorreu subordinado ao tema `Madeira, Alegria e Folia' e no qual o Governo Regional investiu cerca de 450 mil euros.

Numa noite amena, inspirada no carnaval brasileiro, ao som das baterias dos diferentes grupos, a avenida toda iluminada transformou-se num sambódromo.

Entre os muitos espectadores sentados nas bancadas montadas ao longo do percurso estava o presidente Governo Regional, Miguel Albuquerque, que destacou "o entusiasmo dos participantes dos grupos e do público" pelo regresso do corso alegórico, depois de dois anos de "paragem obrigatória" devido à pandemia.

O governante madeirense, que chegou a `dar um pezinho de dança', também referiu que nesta altura a ocupação hoteleira na região ronda os 88%.

O desfile começou com o grupo de João Egídio Rodrigues com o projecto `Alegria, Cor e Folia', que no primeiro carro alegórico "homenageou a Madeira", inspirado nas flores, no bordado da Madeira, nas frutas tropicais, entre outros elementos que caracterizam os trabalhos deste decorador madeirense.

Depois foi a trupe dos Cariocas, ostentando muitas plumas e fatos decorados com pedras de muitas cores que mostrou o seu `Paraíso com Magias', assinalando o "regresso feliz" do Carnaval.

A Caneca Furada encheu a avenida de muita cor inspirada no subtema da `Tropicália' e, ao som dos aplausos, passou a associação Geringonça, que trouxe `A Alegria de Viver', indo buscar inspiração a Paris, ao Moulin Rouge, contando com a participação de pessoas com necessidades especiais.

Seguiu-se a ANIMAD, uma associação ligada à causa animal, que apostou no `True Blue' [verdadeiro azul] e inundou a avenida da cor do mar que rodeia a ilha e do céu, enquanto a Turma do Funil revelou que `Veio à Diversão' na sua passagem.

`A Magia dos Orixás' foi o mote para o agrupamento Império da Ilha, com destaque para o facto de ter como um dos seus elementos uma emigrante na África do Sul com 80 anos que foi sambar pela primeira vez no cortejo da Madeira.

A associação Fitness Team foi a trupe seguinte e mostrou ser `Citilante' nas cores (preto, rosas, lilás, roxo, azul, branco) e o brilho dos fatos com muitas pedras, com coreografias elaboradas.

O Sorrisos de Fantasia apostou no tema da `Celebration' [celebração], mostrando com muita animação toda a "alegria de estar novamente na avenida", tendo posteriormente a associação Tramas e Enredos aproveitado para dar as `Boas Vindas para a folia, [porque] aqui é só Alegria', num convite à participação nesta festa na Madeira.

A trupe da Batucada da Madeira destacou o `Baila que Baila', realçando a música, os trajes e instrumentos tradicionais da Madeira, apresentando também um carro alegórico decorado para retratar as festas populares da região, os denominados arraiais.

O corso, que durou mais de duas horas, encerrou com a associação Palco de Emoções, que desenvolveu o seu projecto em torno da temática `O Amor entre o Sol e a Lua'.

O secretário do Turismo e Cultura, Eduardo Jesus, realçou a "satisfação" de todos por este "momento de alegria e libertação", apontando que este cartaz é "uma aposta ganha" e "a ocupação hoteleira [88%] contribui para a economia da Madeira".

Maria Fernandes foi uma das espectadoras deste corso na avenida e disse que "não podia faltar", porque já tinha "saudades do cortejo e de toda a animação".

"Ficámos muito tempo em casa por causa do bicho e estamos a precisar de um pouco de alegria para esquecer tanta tristeza que por aí vai", acrescentou.

Acompanhado pela família, também António Agostinho foi ver o cortejo, em particular a filha, que integrou uma das trupes, considerando que "estava tudo muito bonito".

Destacou ainda que este ano "até o povo estava mais participativo e animado".

O programa das Festas de Carnaval organizado pela Direcção Regional de Turismo da Madeira começou no dia 15 e terminou a 26.

AMB // MLS | Lusa

Carnaval de Torres Vedras regressou em força ao centro da cidade

Por Gonçalo Costa Martins (texto)
e Tiago Petinga (fotos)

Agência Lusa

A animação voltou domingo (19) a tomar conta de Torres Vedras, umas das `capitais' do Carnaval português, em que vários grupos e foliões desfilaram no corso das festividades, entre música, bombos, cabeçudos, máscaras e serpentinas.

As festas de Carnaval estiveram interrompidas nos últimos dois anos por causa da pandemia de covid-19, mas o regresso das festas voltou a levar milhares de pessoas ao centro desta cidade do distrito de Lisboa.

Domingo decorreu o primeiro corso diurno do Carnaval local, com o desfile de carros alegóricos e grupos de mascarados, sempre ao som de música e de bombos. Um deles teve a força dos braços de Vítor Silva, que faz parte do grupo Torres Bombos, criado há menos de um ano.

"A música e o divertimento é o que nos move", afirmou à Lusa Vítor Silva, que assiste, desde criança, às festividades, o que o leva a realçar: "Desde que nascemos, o Carnaval está no sangue".

Ao longo da tarde, foram várias as voltas que Vítor deu em Torres Vedras, num chão coberto de serpentinas coloridas, enquanto no ar voavam coquetes, que são pequenos embrulhos de borracha triturada atirados entre os foliões espalhados pelas ruas e os que se encontravam nos carros alegóricos.

No total, circularam seis desses carros, carregados de sátira, desde o desporto ao ambiente, passando pela política local, nacional e internacional.

Num dos veículos, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, desafia a personagem do filme `Star Wars' Darth Vader num jogo de xadrez, numa alusão à guerra na Ucrânia, enquanto noutro carro estão caricaturas de desportistas nacionais, como o nadador Diogo Ribeiro, o canoísta Fernando Pimenta e o judoca Jorge Fonseca, estando ainda o Zé Povinho rodeado de vários políticos portugueses que marcaram Portugal.

Outro dos carros é dedicado ao centenário do Carnaval no concelho, em que seguiram os actuais reis do Carnaval de Torres Vedras, assim como várias gerações vivas de antigos monarcas (sempre homens).

"Ver esta multidão é sempre especial", afirmou Ricardo Rodrigues, que é `rainha' do Carnaval há sete anos, enquanto para Fernando Martins, `monarca' há cinco anos, ser rei é "um grande orgulho e uma grande alegria".

No traje destas duas personagens míticas destacam-se duas peças: o rei transporta consigo, desde 1923, um corno, "um símbolo que dá a entender que a rainha pode não ser muito séria", explicou Fernando, ao passo que a rainha usa um abanico, que Ricardo diz pretender "afastar o mau cheiro" e "a porcaria que os governos fazem".

O abanico faz também parte do traje de um grupo desfilante no cortejo: as mulheres da associação carnavalesca SacÁdegas usam-no como "homenagem" à rainha", referiu Filipa Sousa, que lidera o grupo que usa, no desfile, um traje taberneiro.

Esta associação carnavalesca é uma das seis registadas no concelho e que são uma presença regular nas festividades, embora o Carnaval de Torres Vedras esteja aberto a todos, como destaca um dos membros da organização à Lusa.

"O Carnaval é espontaneidade, mas nós costumamos dizer que somos a maior organização desorganizada do país", destacou Rui Penetra, acrescentando: "Toda a gente pode ser parte interveniente, toda a gente faz parte do corso".

No domingo, a organização contava ter cerca de 50 mil pessoas no corso diurno, mas os números esperados para os seis dias de festas são multiplicados por dez: "Estimamos que vamos ter cerca de 500 mil foliões durante os seis dias", apontou Rui Penetra, que é presidente do conselho de administração da Promotorres.

O responsável contou ainda estarem envolvidos mais de 900 profissionais de segurança e de socorro ao longo dos seis dias de festividades.

Os foliões dão asas à imaginação e, entre os milhares de pessoas presentes no corso, encontravam-se matrafonas (homens que se mascaram de mulheres) e diversas máscaras, algumas até que pareciam ter saído de uma cozinha.

Como o mote do Carnaval de Torres Vedras é, este ano, o centenário das tradições locais, alguns dos 34 grupos de mascarados foram vestidos de fatias de bolo.

"Visto que é uma festa de aniversário, não pode faltar um bolo", explicou Juliana Patrício, do grupo de mascarados de Orjariça e Catefica, e que tinha como coreografia, ao som de um sinal, juntarem-se para formar um bolo inteiro.

Todos os entrevistados pela agência Lusa são unânimes: já havia saudades e uma certa "ansiedade" para o regresso do Carnaval, tanto para moradores, como para visitantes.

Como gostaram da primeira vez em que foram, mascarados de saloios, a família Abreu encarnou os irmãos Metralha, personagens do universo Disney que tentavam roubar os cofres do Tio Patinhas.

"Eu gosto das máscaras preparadas em casa, (…) acho muito divertido. Acho que é tipicamente português e gosto muito de ver as famílias inteiras mascaradas, até cães já vimos", contou a mãe Sara, enquanto o pai Nuno e a filha Ana ironizam que foi difícil decidir o que vestir: foram "meses de planeamento".

Inscrito no Património Cultural Imaterial Nacional, o Carnaval de Torres Vedras começou na sexta-feira, com o corso escolar e a entronização dos reis, e as festas terminaram na quarta-feira, com o enterro do entrudo, mas, por se celebrarem os 100 anos, a Câmara Municipal preparou várias actividades ao longo do ano.

Carnaval de Ovar com "espírito em alta" e a equacionar economia circular

Por Alexandra Couto (texto) e Paulo Novais (foto)

Agência Lusa

O Carnaval de Ovar saiu domingo (19) à rua com "espírito em alta" após dois anos de interregno, reaproveitando carros e adereços que ficaram por utilizar em 2022 e equacionando vender depois esses materiais para maior sustentabilidade económica e ambiental.

No desfile que domingo e na terça-feira levou a esta cidade do distrito de Aveiro mais de 4.000 participantes, um dos grupos carnavalescos que defendem essa economia circular é o Vampiros, que em 2023 assinala 52 anos de uma actividade em que se afirmou como especialista na concepção de maquetes à base de esponja e foi "pioneiro no bilhete-turista", que permite a visitantes externos integrarem o corso.

Ascendino Silva integra a direcção do grupo, traja a rigor para a gala dos "Simcuentras (e 2)" – que é a festa que decorreu no carro alegórico onde actuaram imitadores de Toy e Quim Barreiros – e começa por dizer que "este ano toda a gente que participa no Carnaval tem o espírito em alta, depois de tanto tempo de pandemia, com as sedes quase vazias, sem desfiles para preparar, sem ambiente".

O carro que os Vampiros fizeram desfilar por Ovar foi concebido para o Entrudo de 2022, mas, após o cancelamento do evento nessa data, manteve-se guardado para utilização posterior. "Não se podia desperdiçar aquele trabalho todo, porque só em material estão ali uns 22.500 euros. É por isso que eu defendo que devíamos começar a ter uma política de reutilização destas peças, por um lado para evitar o desperdício de material que, no fim do Carnaval, vai directamente para o lixo e, por outro, para ajudar à sustentabilidade financeira dos grupos", explica.

Considerando que "o apoio da Câmara é de 7.900 euros, que as quotas dos 40 elementos do grupo não chegam para tudo, que é cada vez mais difícil ter patrocinadores e que a situação não vai melhorar com a guerra e a inflação", Ascendino Silva pensa nas seis crianças que esse ano se iniciam com os pais na performance dos Vampiros e propõe: "Temos que ser conscientes. Podíamos criar uma feira para grupos de Carnaval de todo o país, em que se mostrasse o material que ainda pode ser utilizado outra vez e cada um comprasse o que lhe desse jeito para próximas edições."

Beatriz Ventura, do grupo de `passerelle' Joanas do Arco da Velha, aprecia a ideia, embora note que a `performance' que partilha com as suas cerca de 80 colegas cria menos resíduos por ser totalmente apeada e não envolver carros. "Mas lembro-me que, noutros anos, ao desmaquilhar-me depois dos desfiles, me custava ver aquele `glitter' todo a ir pelo lavatório abaixo, sabendo que ia parar ao oceano", recorda.

As decisões quanto à compra de materiais mais ecológicos para o grupo não passam por ela, mas Beatriz tenta fazer a sua parte ao prolongar "ao máximo" o uso das roupas: "Guardo os meus fatos todos, para usar noutras ocasiões, e também vou buscar muitos à minha tia, que começou nas `Joanas' há uns 30 anos e tem vários para me emprestar, que eu vou usando nos diferentes dias do Carnaval."

Cada um desses trajes vem sendo feito, diz a estudante de 17 anos, "com muito cuidado e rigor", o que se verificou também este ano, com fatos "de elite militar" em que casacos com colarinhos em padrão camuflado e botões dourados, por exemplo, prestam "uma homenagem às muitas `task forces' de Forças Armadas, enfermeiros, médicos, etc. que ajudaram o país a ultrapassar a pandemia".

Beatriz gostava era de ver esse esforço reconhecido também por um júri e daí lamentar que este ano não haja competição entre os grupos, numa decisão justificada com o facto de muitas das maquetes e adereços terem transitado da edição que se suspendeu em 2022.

"Nós demos o máximo na mesma e chegámos a ter reuniões só para discutir se devíamos trazer esta meia vermelha a espreitar acima das botas, em contraste com o verde, mas sabemos que nem toda a gente levou as coisas tão a sério. Haver competição era bom para nos incentivar", argumenta.

Além disso, o anúncio dos vencedores constituía também um ritual: "Na terça-feira à tarde íamos sempre à Tenda [do Carnaval] conhecer os classificados. Acabar sem isso vai ser estranho… É como se a festa ficasse inacabada."

Perante uma plateia constituída por 5.000 pessoas dispostas por bancadas e 11.000 espectadores apeados, alguns dos quais fantasiados de Minions, Rainha de Copas ou Harley Quinns, o primeiro corso do Carnaval de Ovar exibiu ainda grupos com máscaras como as de "Empregado do Mês", varredores de lixo, jogadoras de basebol, piratas, dançarinos tribais e vendedores de bijuteria cubana.

Um das figuras que se destacou no desfile foi Ricardo Queirós, que, de fato roxo, óculos de massa zebrada e larga fita métrica amarela ao pescoço, foi o único a não usar saia entre as Melindrosas, grupo de `passerelle' cujos fatos foram este ano inspirados em acessórios de costura.

É de São João da Madeira, só participa no Entrudo vareiro há duas edições e, quando o desfile ainda mal está a começar, já conta, bem "alegre", que não tinha noção de como era esta festa: "As pessoas de cá vivem isto de uma maneira louca, param tudo para trabalhar no Carnaval! E ser o único homem num grupo com umas 90 mulheres, todas maravilhosas e espectaculares? É um privilégio, caraças! Vocês não fazem ideia!".

Danças e bailinhos de Carnaval da Terceira regressaram após 2 anos de pandemia

As danças e bailinhos de Carnaval da ilha Terceira, nos Açores, estiveram de regresso aos palcos depois de dois anos de paragem forçada pela pandemia de covid-19, vividos com tristeza pela ausência dos espectáculos de teatro popular.

"No primeiro ano em que não houve Carnaval, em 2021, eu liguei para os elementos do bailinho e para outros amigos meus, em casa, a ver bailinhos no `Youtube' e a comer filhós e donuts. Chorei a ver bailinhos", recorda, em declarações à Lusa, Patrício Vieira, membro do bailinho dos rapazes de Santa Bárbara.

Ao contrário do que o nome indica, o Carnaval da Terceira não é comemorado com bailes e dança, mas com espectáculos de teatro popular, de drama ou comédia, intercalados com música e coreografias.

Protagonizadas por músicos e autores amadores, as danças percorrem, de forma gratuita, cerca de 30 palcos em toda a ilha, procurando levar gargalhadas e emoções a quem aguarda na plateia, pela madrugada dentro, entre sábado e terça-feira.

Sem controlo de entradas ou possibilidade de assegurar distâncias, o Carnaval da Terceira foi desaconselhado pelas autoridades de saúde devido à covid-19, em 2021 e 2022.

Este ano, estavam previstos 48 grupos, entre danças de pandeiro, danças de espada, bailinhos e comédias, menos 19 do que os registados em 2020, nas vésperas de ter sido declarada a pandemia.

O grupo dos rapazes de Santa Bárbara foi um dos que regressou aos palcos, depois de dois anos em que os sabores tradicionais e os vídeos de outros anos ajudaram a matar as saudades.

"No primeiro ano, conseguimos assumir e aceitar. O ano passado, já foi mais complicado, porque já nos tínhamos juntado e decidido o tema, quando de repente apareceram mais casos. O segundo ano foi pior, porque tudo levava a crer que ia haver Carnaval", adianta Filipe Soares, músico e cantor.

O tema ficou guardado um ano na gaveta e chega agora finalmente aos palcos. Durante quase dois meses, no final de um dia de trabalho, juntaram-se, entre três a seis vezes por semana, para os ensaios.

Nenhum dos membros do grupo vive da música ou do teatro. Enfermeiros, armazenistas, técnicos de electrónica e informática, lavradores, pedreiros, entre muitas outras profissões, transformam-se em artistas durante quatro dias.

Patrício Vieira, animador sociocultural, assistia aos bailinhos de Carnaval em criança e, no dia seguinte, fingia ser o mestre da dança, com um prato de plástico e fazer de pandeiro.

"A primeira vez que eu vi o bailinho dos rapazes de Santa Bárbara, tinha 13 ou 14 anos e disse: um dia eu tenho de fazer parte deste grupo. A emoção que me fazia sentir, é isso que me faz viver o Carnaval, é tentar passar para os outros aquilo que eu também sentia quando era do público", explica.

Há quase duas décadas que sobe ao palco, como músico e actor, e desde 2015 que escreve as letras das canções e o texto do teatro, que é rimado.

Este ano, Patrício Vieira confessa que demorou algum tempo a entrar no "ritmo", mas garante que "o bichinho nunca morreu e nunca morrerá".

"O Carnaval mudou. Antigamente era nas ruas, não havia instrumentos de sopro, as mulheres não saíam. Está em constante evolução, mas acho que estes dois anos [de paragem] não vão fazer mal", aponta.

Diz que a população da ilha ganha "energia para o resto do ano" no Carnaval e que não há pandemia que coloque "água na fervura" de quem o sente verdadeiramente.

"É saber que a gente faz parte de alguma coisa, que pode deixar a nossa marca na cultura terceirense. Isto parece muito poético, mas é muito concreto. Toda a gente tem noção de que o seu papel é importante, desde o mestre à pessoa que acarta o material ou ao condutor do autocarro. Toda a gente gosta de fazer parte disto", afirma.

Muitos dos elementos do grupo tocam em filarmónicas, grupos folclóricos ou bandas, mas Josué Rocha, empresário agrícola e do imobiliário, sobe aos palcos apenas pelo Carnaval.

Descobriu o jeito para o teatro nas peças da catequese e numa viagem a São Jorge em que começou a imitar o sotaque dos habitantes daquela ilha.

Quando os amigos de fora da ilha lhe perguntam como é o Carnaval da Terceira, recomenda que passem por uma das muitas salas que abrem portas nesta altura do ano.

"É uma coisa única. Explica-se passando numa sociedade: cheirar a bifana, beber a cerveja, ver o convívio, a animação, ver o gosto com que isto se faz", descreve.

Josué Rocha não tem dúvidas de que, apesar de dois anos de paragem, o Carnaval da ilha Terceira está "bem vivo e com muita saúde".

"A gente fala no Carnaval do Rio, no Carnaval de Viena… Isto é completamente diferente, é um teatro popular que é feito por pessoal amador, que vive isto de forma intensa. Não recebe um tostão, faz isto com o coração e gosta deste reboliço", salienta.

Em quatro dias, o grupo chega a fazer 26 actuações, correndo a ilha de ponta a ponta.

Segundo Filipe Soares, técnico de informática, é impossível responder a todos os convites, mas há sempre uma plateia completa, quando se abre o pano.

"As salas estão sempre cheias, é uma coisa incrível. As pessoas adoram o nosso bailinho e já nos procuram", revela.

O Carnaval "feito pelo povo e para o povo" tem continuidade assegurada, na opinião do músico.

"Eu acho que não vai morrer, pelo menos tão cedo. Apesar de este ano haver menos bailinhos, acho que não é por aí", defende.

Pedro Tavares é o mais novo do grupo. Tem 18 anos e sai num bailinho de Carnaval pela primeira vez.

Natural de Santa Bárbara, passava os quatro dias de Entrudo na sociedade filarmónica a assistir aos bailinhos, mas admite que no palco a tradição é vivida de forma diferente.

"Gostava muito de ver o bailinho, mas nunca pensei sequer em sair", confessa.

Garante que esta será a primeira participação de muitas e que a sua geração não deixará morrer a tradição.

"Cada vez mais vemos jovens a entrar em bailinhos de Carnaval e a assistir. Acho que no futuro vai continuar", assegura.

CYB // ACG | Lusa


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