PENA & LÁPIS


Correspondente do Brasil:

Como dói a solidão

Por Francisco G. Amorim

Sol Português

É muito difícil chegar a uma idade avançada e ver a velocidade em que os amigos nos vão deixando porque alcançaram o merecido descanso.

Hoje (22 de Abril), logo pela manhã, recebi mais uma dessas notícias que me deixou extremamente abalado, as lágrimas logo me encheram a cara, e conto agora por poucos dedos de uma só mão quantos ainda por aqui andam, longe, muito longe, em lugares que o físico não me permite mais alcançar.

Ainda há poucos anos conseguíamos reunir para um almoço 30 ou 40 daqueles amigos que durante muitos anos foram como irmãos.

Mas começaram a chegar aos implacáveis 90 e vão adormecendo na Paz Eterna.

Foi hoje um dos últimos e dos mais chegados amigos, que nós conhecemos, bem meninos, na entrada para a escola _ 1.ª classe _ talvez em 1936 ou `37, já lá vão 80 e muitos anos.

Tivemos uma adolescência e mocidade com frequentes encontros e brincadeiras. Depois fui estudar para longe de Lisboa. Víamo-nos menos, mas não perdíamos a amizade. A seguir serviço militar e não tardou a que eu realizasse o sonho de ir para África.

Muitos para lá foram também e uma maioria que ficou em Portugal perdi de vista, simplesmente sabendo, de vez em quando, que estavam bem, tinham casado, etc.

Muito mais tarde, os cabelos já esbranquiçados, encontrei um desses primeiros amigos que, parece, não nos víamos desde que fizemos uma viagem, de navio, a Roma, em 1950, e estávamos já em 1990. Talvez uns 40 anos sem nos termos encontrado!

Um forte abraço, uma imensa alegria com o encontro, logo combinámos um almoço de quatro da mesma época. Três estão no Além.

Juntou-se logo um outro que vive em Madrid (e acabei de saber que está muito bem), colegas desde aqueles idos da 1.ª classe, que durante as minhas posteriores idas à Europa conseguia juntar e que passei a chamar o Trio Maravilha. O almoço mais importante nessas idas!

Foram almoços maravilhosos. Ríamos, contávamos passagens da vida e saíamos com as baterias da amizade recarregadas.

Um dia este amigo escreve-me a pedir que encontrasse um professor brasileiro que ele tinha conhecido lá em Lisboa... (já não lembro o nome) para lhe agradecer o envio de um livro ou um dicionário que lhe tinha oferecido.

Consegui localizar o senhor, a quem transmiti os agradecimentos e expliquei a razão de ele não o ter feito há mais tempo. Falámos um pouco e o professor disse-me então que o meu amigo tinha sido a pessoa mais bem educada que conhecera, um verdadeiro nobre.

E era. Sempre atencioso, simples, alegre e, sobretudo, amigo.

Quando comecei a escrever, primeiro para um blog (que me "roubaram") e depois até para o jornal "O Dia" de Lisboa, além de permanente e "fiel" leitor dos meus escritos, era ele que fazia a ponte com a desorganização daquele jornal!

Escrevi há pouco uma pequena história, "Habemus Nigrus Papam", que depois tive que rever. Estava confusa. Mandou o seu filho Zé escrever para me dizer que estava à espera desse texto que queria muito ler.

Já estava corrigido, mandei logo. Não sei se teve tempo para isso.

Deixou um vazio muito grande em todos que o conheceram e eu choro a perda de um amigo, irmão muito querido. Amigo raro e simples como são os Grandes.

Obrigado Xico, Francisco de Novaes e Ataíde, por teres sido tão amigo.

Em breve vou ter contigo.


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