PENA & LÁPIS


Correspondente da Alemanha:

Encontros de Jesus com Pilatos e com as mulheres

Significado ainda não reconhecido da presença das mulheres junto à Cruz

Por António Justo

Sol Português

Neste processo pode-se verificar não só a tragédia do encontro do divino com o humano, tragédia esta que se expressa na relação entre a instituição e o humano, mas também a relação desequilibrada entre o princípio da feminilidade e o princípio da masculinidade no nosso modelo social!

Pilatos e as instituições alheiam-se da caminhada humana de Jesus, das mulheres e do povo para em grande parte fazerem uma caminhada paralela, fora da comunidade.

Segundo relata o evangelista João, Jesus foi envolvido no jogo do pingue-pongue do poder religioso e do poder político (1).

Pilatos, representante do poder político, queria que o sinédrio o julgasse porque a causa de Jesus era um assunto religioso/espiritual e este não tinha nada a ver com o poder de Roma nem com razões de Estado. Porque Pilatos não encontrou culpa nenhuma em Jesus, mandou colocar no madeiro a tabuleta "JC rei dos Judeus".

Pilatos no julgamento revelou-se primeiramente como pessoa séria ao deixar-se, na sua função de representante do estado, envolver pessoal e directamente com e por Jesus (2), mas logo assumiu o seu papel de governador desviando o apelo pessoal que Jesus lhe tinha dirigido para a pergunta abstracta: "O que é a verdade?

Na tentativa de criar espaço para a sua consternação Pilatos pensou em fazer uso do seu direito de nos dias festivos recorrer a um acto de misericórdia libertando-o. O povo preferiu um outro, Barrabás, que era um chefe de uma quadrilha de ladrões.

Pilatos, não convencido mandou acoitar Jesus para o mostrar ao povo na esperança de que este ao vê-lo tivesse compaixão dele. Os soldados fizeram dele um rei ridículo e acoitaram-no. Jesus não se defendeu.

Pilatos apresenta-o ao povo dizendo "Ecce homo" (Eis o Homem). Mas os sumos sacerdotes e seus servos gritaram, "crucifica, crucifica-o". Pilatos queria ver-se livre de Jesus e disse então, levai-o e crucificai-o; eu não encontro nele culpa alguma. Então as autoridades do templo, que sabem como as leis se fazem e como os funcionários da lei representam interesses e não a verdade nem o povo, advertiram-no que se o não o condenasse, Pilatos (governador do imperador romano na Província da Síria) não seria fiel ao Imperador, a quem deveria obedecer porque Jesus se tinha proclamado filho de Deus. Põem-lhe o problema da lealdade.

Jesus compreende a situação desesperada em que se encontrava Pilatos e que em termos do mundo não teria outra alternativa senão ceder aos que o atraiçoavam também entre os seus: um dos seus discípulos.

Apesar de estar ciente da monstruosidade que se estava a cometer, Pôncio Pilatos pergunta novamente: "Devo crucificar o vosso rei?" e paradoxalmente os sumos sacerdotes, afirmam aquela monstruosidade dizendo: "Não temos rei, para além do imperador!"

Deste modo o Sinédrio através do seu testemunho está disposto a renunciar ao seu específico de "povo de Deus" (porque abdica da sua autoridade religiosa que tinha de decidir _ excepto a pena de morte _ em questões do foro religioso e ao renunciar a ele submete-o ao foro político imperial) para se submeter totalmente ao imperador e deste modo Jesus passa a ser condenado à morte porque abandonado por todos (povo, discípulos e instituições).

No julgamento de Jesus, os seus seguidores, que sabiam que o seu reino não era deste mundo, não abriram a boca ou tinham até já fugido. (Todo o reino deste mundo é obra do homem enquanto o Seu reino é um reino interior e espiritual. O reino de Jesus dirige-se à pessoa integral independentemente das suas funções.)

O problema não está nos inimigos, mas nos que o abandonam. Pilatos cumpriu o dever como funcionário do Estado, mas honra-o o facto de tentar ouvir pessoalmente Jesus que era apresentado como réu, como se vê no evangelho de S. João.

Jesus com a sua atitude chama a atenção para a nossa consciência e o nosso comportamento. Jesus continua a sofrer com o povo das nossas fraquezas no jogo entre os interesses exteriores e os valores da consciência que trazemos no nosso interior.

Pilatos, que não queria saber da fé do povo, teve a hombridade de se tentar aproximar de Jesus como pessoa e não apenas como funcionário. Naturalmente, Pilatos estava a usar Jesus como instrumento para os seus próprios fins, não se deixando interpelar pessoalmente por Jesus e por isso finalmente condenou-O à morte.

Pilatos, que menosprezava os judeus como um povo de servos, ao seguir os interesses do Sinédrio e não a própria consciência tornou-se conivente dos interesses da instituição Sinédrio.

Jesus tinha apelado para a soberania da consciência individual de Pilatos e não para o seu papel de funcionário porque o poder que ele possui não é inerente a si mesmo, mas vem da soberania estatal de que era servo na qualidade de governador! Esta questão apresenta uma dicotomia que nos acompanhará até ao fim da História!

Esta é uma imagem do que acontece com muitos funcionários e pessoas em funções políticas e institucionais (3): não se deixam abordar de maneira humana nos problemas das pessoas e atraiçoam-nas, subjugando-as a regulamentos não aferidos à situação da pessoa e por isso concretamente injustos. Como Pilatos, deixam de ser pessoas para assumirem o papel de oficiais de serviço.

A presença das mulheres junto à Cruz

As mulheres _ Maria mãe de Jesus, Maria mulher de Clopas e Maria Madalena _ que acompanharam Jesus até à cruz foram as primeiras a testemunharem a sua ressurreição e a assumirem um papel decisivo na história da salvação e na proclamação do Evangelho.

Como primeiras discípulas de Jesus, apoiaram a sua missão durante toda a sua vida pública. Enquanto os discípulos homens fugiram ao verem a violência e a humilhação, as mulheres mostraram coragem e fidelidade.

A matriz sociológica masculina em que continuamos a viver não aprecia suficientemente o papel das mulheres na sociedade nem dignifica razoavelmente a importância do papel das mulheres na história da salvação, se atendermos à questão da valorização meramente funcional e à discriminação e subjugação dos valores da feminidade no nosso modelo social...

Neste processo acontece com a feminilidade (mulheres) o que aconteceu com Jesus, que foi condenado pelo facto de Pilatos e as instituições não assumirem responsabilidade pessoal para a alhearem em papéis exteriores mais próprios de interesses institucionais do que humanos (a feminilidade, a religião, dá lugar à masculinidade, à política)...

Maria Madalena foi e anunciou aos discípulos que vira o Senhor e transmitiu-lhes a sua mensagem. Madalena tornou-se assim a apóstola de Jesus em relação aos apóstolos!

Em nota (4) ver outros encontros a acrescentar à tradição popular da Via Sacra.

Permanece a chamada de atenção de Jesus: "Todos os que amam a verdade escutam a minha voz".

Esta voz não precisa necessariamente de ser entendida em termos de confissão religiosa. Jesus Cristo pode também ser entendido como protótipo privilegiado de todo o humano e de toda a humanidade!

Notas em Pegadas do Tempo: antonio-justo.eu/?p=8426

António da Cunha Duarte Justo é Teólogo e Pedagogo


Voltar a Pena & Lápis


Voltar a Sol Português