PENA & LÁPIS


Fogo com Asas de Silêncio:*

Inspirando língua, cultura, compromisso e comunidade

Por Diniz Borges

Sol Português

A Califórnia é um dos estados mais importantes da união americana. É do conhecimento geral que se este estado, plantado à beira do Pacífico, fosse um país independente seria a quinta economia mundial.

Sem a Califórnia os Estados Unidos não seriam o mesmo país e sem a Califórnia a comunidade portuguesa, particularmente a açoriana, em terras do Tio Sam não seria a mesma comunidade.

É, dos 50 estados da união americana, o que tem a maior comunidade de origem portuguesa, cerca de 340.000 pessoas, segundo o censo de 2010 e os constantes números da American Community Survey. Perdemos alguma população e alguns luso-americanos que optaram por viver em outros estados.

É o único estado com quatro representações luso-americanas na Câmara dos Representantes, todos com raízes nos Açores e um nos Açores e na Madeira. É o estado com mais de 100 organizações ligadas à comunidade, desde comissões de festas do Espírito Santo, Fátima, Santo António e São João, entre outras. Com filarmónicas, grupos de folclore, organizações recreativas, sociais, culturais e desportivas.

É aqui onde se centralizam as duas maiores sociedades fraternais portuguesas no país, a Luso-América Financial e a PFSA (Portuguese Fraternal Society of America), programas de rádio e televisão em língua portuguesa, um jornal, revistas de organizações sociais e culturais. O único estado com uma organização dedicada a motivar a presença de mais luso-descendentes em cargos políticos a criar uma rede entre os mesmos, e desde 2018, o único na união americana com um plano estratégico para o ensino da língua portuguesa e culturas lusófonas.

É que tal como escreveu algures a escritora anglo-americana Taylor Caldwell: "se não pode ser feito na Califórnia, não pode ser feito em nenhum outro lugar."

A realidade é que a Califórnia portuguesa, guiada pela boa vontade de meia dúzia de pessoas, lançou há precisamente cinco anos um plano estratégico para o ensino da língua portuguesa e culturas lusófonas para o ensino público e privado. Cerca de 200 pessoas, do norte ao sul da Califórnia, tiveram voz no plano.

Lá estão educadores, líderes do nosso movimento associativo, pais, alunos, activistas comunitários, líderes da comunidade brasileira e membros da comunicação social que fizeram parte de uma série de reuniões em que se reflectiu a situação actual e debateu-se um plano de acção, uma estratégia planificada que nos pudesse levar a uma maior projecção da língua portuguesa e culturas lusófonas no mundo californiano.

É que tal como escreveu o então reitor da Universidade Estadual da Califórnia em Fresno, o professor doutor Joseph Castro, na nota introdutória do plano estratégico: "a minha ligação à comunidade de língua portuguesa na Califórnia tem-me trazido um mundo de experiências únicas e enriquecimento cultural. Estou ansioso para testemunhar os resultados deste audaz plano estratégico, particularmente num momento em que embarcamos na trajectória que impulsionará o ensino da língua portuguesa além de todas as fronteiras. O futuro da Califórnia será radioso e sê-lo-á em parte pelo dinamismo da comunidade de origem portuguesa."

Português Além-Fronteiras _ foi o nome escolhido, que mais tarde passou a ser o nome do Instituto (Portuguese Beyond Borders Institute) na universidade que liderou este projecto _ representa uma nova estratégia e uma nova liderança com o intuito de melhorar, significativamente, o ensino da língua portuguesa neste colossal estado.

A missão deste plano foi e continua a ser arrojada: criar e apoiar cursos e serviços esboçados para promover a comunidade luso-americana e outras comunidades de países lusófonos no ensino da língua portuguesa e na promoção da cultura e da identidade; inspirar a nossa comunidade a repensar e imaginar todas as suas potencialidades nestas áreas; e invocar junto das autoridades estaduais e locais a necessidade de se estabelecerem políticas que apoiem a visão da comunidade e do plano estratégico no que concerne ao ensino da língua portuguesa e culturas lusófonas como componentes poderosos, não só localmente, mas sobretudo nos palcos mundiais.

O plano estratégico para o ensino da língua portuguesa e culturas lusófonas foi alicerçado em seis pilares: identidade e carácter cultural; criatividade, inovação e investimento; multilinguismo, multiculturalismo e competência global; colaboração e cooperação; comunidade e família; e liderança orientada pelo poder de advogar junto das entidades californianas.

Cada um destes pilares está exemplificado no plano e dele saíram os princípios que ainda hoje poderão servir como directrizes para um trabalho que terá de ser feito com as escolas, a comunidade e as parcerias com organizações e entidades públicas e privadas. Esses princípios sumarizam-se em: paixão, fortalecimento e profissionalismo; mentalidade de liderança; impacto; clarificação, transparência e confiança; aprendizagens alternativas e inovadoras; significado e valor e compromisso.

Desses princípios nasceram seis metas estratégicas: infra-estrutura organizacional e sustentabilidade; aliciamento da comunidade, das famílias e dos alunos; advogar junto das autoridades; parcerias inovadoras e arrojadas; cursos, serviços e recursos que levem o ensino da língua portuguesa a outros patamares e liderança e aprendizagens profissionalizadas.

O plano, enviado para Portugal e as suas regiões autónomas e publicado em papel e electronicamente, contém um conjunto de orientações para o século XXI, num estado que continua a ser o baluarte em muitas áreas do conhecimento.

Nele estão um conjunto de recomendações e planos de acção que têm como premissa assegurar que cada membro da nossa comunidade esteja equipado com as ferramentas necessárias para ter sucesso no mundo globalizado do século XXI, em que as prioridades assentam no multiculturalismo e o multilinguismo.

O plano oferece um diagrama que engloba especificidades a curto, médio e longo prazo. É ambicioso e afoito porque, tal como ouvi algures num curso de formação: para fazer o impossível, deve até considerar o improvável.

É mais do que sabido _ e acalmo já as inquietações dos cínicos _ que o plano estratégico para o ensino da língua portuguesa na Califórnia tem (estão por aí para quem quiser ver) uma amálgama de desafios. Todos os que nele trabalharam e nele depositaram a reflexão, a visão e o compromisso bem o sabem.

Os desafios não residem no plano, como já se viu ao longo de quase cinco anos, mas na adaptação do mesmo. A comunidade da Califórnia continua fragmentada e é um estado gigantesco.

A comunidade tem os seus velhos do Restelo, quer em idade, quer em pensamento e que como sempre tentaram, foram e são obstáculo. A comunidade, infelizmente tem os seus líderes narcisistas, que como não tiveram protagonismo exclusivo, que sempre exigem, não alinharam num plano de cooperação e coordenação.

A comunidade carece em ligações com os bastidores do poder e alguns dos políticos que temos não ligam às potencialidades do ensino da língua e cultura portuguesas.

É muito mais fácil ficarem por irem a uma festa, comerem uma bifana e cumprimentarem meia dúzia de pessoas. E diga-se a bem da verdade, e sem querer ferir nenhuma susceptibilidade, a comunidade está muito mais vocacionada para a efemeridade de uma festa do que a perenidade de um plano estratégico, e em questões de liderança no ensino da língua e cultura a comunidade, infelizmente tem abdicado do seu papel e deixado Portugal ditar o que acha por bem. E mesmo quando Portugal apregoa "Fake News" ninguém tem a coragem para desmistificar.

O plano, que está à disposição de todos, tem desafios nos outros lados do mundo em vários países de língua oficial portuguesa, independentemente do continente onde estejam localizados. De Portugal, há velhos hábitos que se baseiam de que o que não nasce na "Capital do Império", não deve ter credibilidade. Ainda se vive o terrível hábito de não dar voz às comunidades e o pior hábito dessa política ser apoiada por quem em troca por uma medalha ou um falso elogio apoia esse paternalismo.

Aliás, é importante dizer-se que o plano estratégico foi apresentado oficialmente em Sacramento, quando o Primeiro-ministro (ainda o actual) estava neste estado e não foi feito nenhum esforço para o levar ou ter a presença de algum ilustre da comitiva no evento. Mais, quando o próprio Presidente da República aqui esteve não foi feito qualquer esforço para que houvesse, no âmbito da visita, uma dinâmica em torno do ensino da língua portuguesa.

Do Brasil, o apoio tem sido inexistente. O mesmo se dirá dos outros países de língua portuguesa com comunidades nos Estados Unidos. Mas é tempo que todos tenham outros olhos para a Califórnia porque, parafraseando o comediante americano nascido no Canadá, Mort Sahl: não se tem vivido até se morrer na Califórnia.

Assim, o plano estratégico para o ensino da língua portuguesa e culturas lusófonas para o estado da Califórnia está publicado há cinco anos e quem sabe se um dia _ um tal dia em que se sacudam o mofo, a indolência e as desmedidas vaidades, existentes em ambos os mundos, o da emigração e o dos países de origem _ em conjunto, se possa executar este plano inovador e único na Diáspora Portuguesa.

Tal como nos diz o prefácio desse plano: "a aprendizagem da língua, literaturas e culturas do mundo de expressão portuguesa oferecida a todos os alunos no estado da Califórnia é uma oportunidade extremamente enriquecedora. O plano estratégico visa alcançar este objectivo, construindo para a riqueza linguística e cultural da Califórnia."

Na realidade, à beira do quinto aniversário da sua publicação, este plano _ repito: o único no mundo da Diáspora _ continua a precisar de ser recebido e acarinhado pelos países de língua oficial portuguesa, começando por Portugal e pela Região Autónoma dos Açores, de onde vieram cerca de 90% dos 340.000 californianos que se identificam como sendo de origem lusa.

É que tal como nos diz o plano: "a Califórnia é lugar propício para se avançar com um plano estratégico tão ávido que inova, inspira e imagina todas as possibilidades para as nossas comunidades de expressão portuguesa."

Cinco anos mais tarde, ainda acredito, veementemente, que com este plano estratégico, a Califórnia delineou para todas as comunidades nos Estados Unidos o que significa estarmos preparados para a globalidade de amanhã. É pena andarmos, cá e lá, um bocado distraídos.

* Título de um verso do poema "Mas livre" de Álamo Oliveira


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